segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

IRMÃ LUDWIGIS FABIAN OSB





Em memória da irmã Ludwigis (Dorothea) Fabian Koun-An, (1933 -2016) nascida na Breslávia-Polônia. Era orientadora da sangha "Sanchanger" e outras "casas de silêncio" Zen espalhadas pela Alemanha. Pertencia à ordem das Irmãs da Congregação de Santa Joana de Chantal, foi também aluna direta de Yamada Koun (Sanbo Zen), irmã no Dharma de Padre Hugo Lassalle, Willigis Jager e Robert Aitken. 

Que sua memória repouse no Budadharma e na Cruz maravilhosa de Cristo. 

Abaixo os links dos centros de prática da sua linhagem:



PADRE OSHIDA FOTOS












PADRE OSHIDA: QUANDO BUDA ENCONTRA CRISTO


Durante os últimos quarenta anos da sua vida, o P.e Shigeto Oshida viveu num eremitério, procurando o rosto de Cristo através do caminho Zen japonês que ele tinha praticado na juventude. Nele, a sabedoria da Ásia tornou-se patrimônio da Igreja.

A Segunda Guerra Mundial grassava no Extremo Oriente. O Exército japonês tinha invadido os países em seu redor: Singapura, Sul da China, Tailândia, Filipinas... Por todo o lado, a crueldade e o fanatismo dos soldados japoneses espalharam terror e o sinistro destino das pessoas nos seus campos de prisioneiros iria permanecer no imaginário coletivo e ser objeto de filmes famosos como A Ponte do Rio Kwai, de David Lean, ou romances como King Rat, de James Clavel.

Foi neste cenário sombrio que Deus realizou um milagre pessoal que transformou a vida de um jovem japonês de 20 anos, simples, humilde seguidor da tradição do Budismo Zen: Shigeto Oshida. Anos mais tarde, o P.e Oshida costumava mencionar muitas vezes as circunstâncias do seu encontro com um jovem católico alemão, que foi fundamental para ele encontrar Cristo: «Assim que vi aquele homem cristão, acreditei logo. Não conhecia ainda os dogmas, mas já acreditava. Não tinha qualquer problema em aceitar os dogmas, porque eu acreditava no testemunho de um verdadeiro cristão.»

Quão transparente deve ter sido a bondade de Cristo no rosto daquele jovem! O P.e Oshida costumava falar da duração da sua viagem quando jovem no Zen e como, passando pelo digno silêncio do Zen, ele imediatamente acreditou no Homem que morreu na cruz implorando o perdão universal: «O perdão é o silêncio no silêncio. Cristo é o coração do Zen.»

Por favor, fá-lo à vontade

O P.e Vicent Shigeto Oshida, OP, nasceu no Japão em 1922. Depois de se tornar cristão, o jovem Oshida sentiu o desejo de dedicar a vida a Cristo como religioso e foi atraído pela Ordem Dominicana. Mas adoeceu com tuberculose e foi confinado num sanatório. É aí que nasce uma pequena comunidade em torno dele constituída pelos seus colegas doentes que gostavam de rezar com ele e de se sentarem com ele em meditação Zen.

Shigeto Oshida, que se descrevia a si próprio como «o budista que conheceu Cristo», tornou-se dominicano em 1951. Após a ordenação sacerdotal, foi enviado ao Canadá para estudar Teologia. De regresso ao Japão, foi internado mais uma vez por causa da tuberculose e uma operação retirou-lhe metade do pulmão direito. Shigeto Oshida foi então transferido para um sanatório, localizado no bairro onde mais tarde se estabeleceria, para convalescer. Aqui, no sanatório, à sua volta, nasceu novamente uma pequena comunidade de silêncio e de oração.

Depois de aproximadamente treze anos de relativo silêncio, exceto para conversas com o seu provincial dominicano, decidiu falar com o seu superior local. Falou sobre como estava dilacerado pelo desejo de desistir da vida ocidental do convento dominicano e aderir à simplicidade do Zen em que se criara. O superior disse-lhe: «Não percebo muito bem o que estás a fazer. Estás sentado na posição Zen na nossa pequena capela. Tenho de ser honesto. Eu não gosto do que estás a fazer. Vemos muitos jovens a seguir-te agora...» Depois, seguiu-se um momento de silêncio, após o qual o superior lhe disse claramente: «Mas, meu filho, mesmo que eu não entenda e não goste, não tenho o direito de impedir-te de fazê-lo.» A voz do superior amaciou-se: «Por favor, fá-lo à vontade.» Foi assim que, finalmente, o P.e Oshida deixou o convento e fundou um pequeno eremitério, onde ele e os que se lhe juntaram viviam em solidariedade com os seus vizinhos e praticavam uma forma de vida feita de trabalho manual, prolongada meditação Zen e uma liturgia cristã de luminosa simplicidade.

 
O eremitério da erva

Era 1964, quando o P.e Oshida, então com 39 anos, abriu o eremitério Sooan, a fim de dar espaço para todos os que tinham sido atraídos pelo seu modo de vida (Soo significa «erva», an significa «eremitério»). Sooan localiza-se na aldeia de Takamori, na província de Nogano, não muito longe da montanha sagrada, Fuji. Foi construído como uma cabana tradicional rústica. O eremitério de Takamori não é uma organização nem uma instituição. Era um lugar humilde que se enquadrava naturalmente na paisagem dos campos de arroz, dos regatos e da vida rural das cercanias das aldeias.

Deus concedeu ao P.e Oshida quarenta anos para ficar no silêncio e na simplicidade de Sooan e para procurar o rosto de Cristo e ouvir a makoto (a verdade/acontecimento). Makoto só pode ser verdade quando as pessoas se tornarem completamente simples e sinceras. Isso acontece no mais absoluto silêncio. Essas pessoas, imersas em silêncio, talvez um dia encontrem então uma nova makoto e descubram a «Mão» ou a «Palavra» de Deus através desta nova experiência. Deus trabalha através de nossa simplicidade.

A simplicidade pode ser como um «sacramento». Na tradição cristã, um sacramento é um sinal visível que aponta para a presença da graça invisível. No Zen, são precisamente as coisas simples e do dia-a-dia que têm um caráter sacramental. Não há nada de especial em beber chá, conhecer pessoas, ir trabalhar todos os dias, brincar com as crianças, deleitar-se com a Natureza, mas é nos elementos da vida do dia-a-dia que o mistério da existência se abre. Um poema Zen põe as coisas como se segue: «Como é excelente!, como é milagroso!, eu transportar água. Cortei lenha.»

Enfim, quem sabe se não é esta a radical simplicidade que provoca maior impacto nos cristãos que viajam nas paisagens do Budismo Zen. Acima de tudo, no entanto, eles já aprenderam alguma coisa sobre a verdadeira humanidade. Eles já descobriram o sacramento da simplicidade.
É esta simplicidade que as pessoas procuraram no P.e Oshida e que ele levava consigo quando saía para pregar em retiros ou se escondia nas páginas dos muitos livros que escreveu. Uma vez, o P.e Oshida orientou um retiro para os bispos da Ásia e começou por pedir-lhes que saíssem para o campo e plantassem arroz! No início, houve uma certa resistência. Mas foi igual, ele forçou-os a fazê-lo, para que os bispos pudessem perceber que são apenas «colaboradores» na seara do Senhor. Podem começar, mas é Deus que faz brotar a semente.


Beleza e paz

No convento de Takamori, nos últimos dias da sua vida, o P.e Oshida passou muito tempo a contemplar o caminho vestido de cores de Outono das colinas circunvizinhas. Olhando para as folhas a cair suavemente no chão, ele proferiu as palavras que irão permanecer nos seus lábios até ao último suspiro: «Deus é maravilhoso! Amém, amém!» O P.e Oshida deixou este mundo num estado de profundo silêncio, atravessando para o outro lado da vida, enquanto descansava num sono profundo. Quando já tinha falecido, o seu rosto estava radiante de beleza e paz. Era 6 de Novembro de 2003.

O Pe. Oshida foi sepultado no quinto dia após a sua morte pelos seus seguidores e amigos: o caixão, simples de madeira, foi colocado no meio das árvores do Sagrado Memorial de Madeira que lembra as vítimas de todos os conflitos. Após uma vigília de oração que durou toda a noite, a missa foi celebrada entre as árvores, perto da pequena nascente, e, em seguida, o caixão foi descido à terra, mesmo por detrás da capela do convento, em frente da estátua de Maria segurando o Menino Jesus. Alguns grãos de arroz foram colocados dentro do caixão e depois no túmulo, e no chão em volta foram espargidas belas folhas outonais: vermelhas, amarelas, douradas... Estes simples gestos na celebração tornaram dignamente presente a figura religiosa do P.e Oshida.

Renovar a meditação

O P.e Oshida foi uma grande testemunha da aventura do espírito do nosso tempo, um peregrino e um pioneiro da fecundidade do caminho do Zen que encontra o Evangelho. Este encontro teve lugar na sua vida de uma forma radicalmente simples, sem qualquer complicação, sem duplicidade, sem hesitações, porque ele realmente aconteceu na profundidade da alma em que a original criatividade nos lembra o sopro criativo de Deus. O P.e Oshida acolheu o Evangelho na sua alma japonesa. Era como se a bondade do Budismo se tivesse reunido com a bondade do Cristianismo.

O jesuíta William Johnston, que passou a maior parte da vida no Japão e que é um reputado estudioso da espiritualidade, escreve: «Os cristãos podem, não só dispor da riqueza da meditação oriental, mas tornar-se líderes de um movimento de que Cristo teria de ser o centro – um movimento de meditação que humildemente aprenderia com o Zen. Tenho dito a cristãos japoneses – e creio que é verdade – que eles têm um papel importante a desempenhar no desenvolvimento do Cristianismo. A sua vocação é a de renovar a meditação na Igreja (por causa da sua tradição Zen) e interpretá-la para o Ocidente.»

  LORENZO CARRARO, Missionário comboniano


sábado, 24 de dezembro de 2016

KIM BOYKIN - ZEN PARA CRISTÃOS



"A ausência de doutrinas é uma das características do Zen que possibilitam que um cristão - ou um judeu, um ateu, um budista e outros - o pratiquem. Não há nada no Zen que entre em conflito com qualquer crença que você possa professar sobre Deus e a natureza da realidade. Sejam quais forem as suas crenças, se você sofre, o Zen tem algo a oferecer: um modo de libertar-se do sofrimento, uma forma de se tornar livre para viver com alegria e desprendimento."

Kim Boykin - Zen para Cristãos

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

DOM AELRED GRAHAM SJ - EM MEDITAÇÃO






Quando se fala em meditação é comum pensarmos em meditarmos sobre alguma coisa. Temos um assunto para avaliar. Isso faz sentido, como dar um foco para a mente. Mas, seja qual for o tema que propomos, mesmo os mais acalorados, geralmente no final achamos um tanto banal, por não manter a concentração. Então, ficamos distraídos, nossa mente se dispersa e fantasiamos, é uma forma de ilusão e ansiedade, e a meditação se torna frustrante, talvez mais frustrante que qualquer uma de nossas atividades diárias normais. 
Para alcançar esta condição, não implica em algo que devemos pensar, mas sim que devemos não pensar. Porém, nossa mente sendo o que é, parece impossível. Então nos esforçamos para não pensar em nada, isso também se torna um objeto (talvez a imagem de um círculo, ou de um buraco vazio), e nos afastamos cada vez mais. O que podemos fazer, porém, se estamos suficientemente alerta, é não nos apegar a qualquer pensamento - deixar que os pensamentos fluam, desapegando deles, permitindo assim que desapareçam no vazio. Qualquer um, até o menos fervoroso Católico Cristão, que aprendeu a sentar com a coluna alinhada, os olhos baixos embora não fechados, as pernas cruzadas, a respiração lenta e suave quase não perceptível, testemunhará considerável expansão da consciência. Mentalmente, dá a indescritível sensação de estar em contato com o Supremo – embora praticados com Budistas (como de tempos em tempos tem sido o meu privilégio),  e para qualquer pessoa educada na tradição cristã apresentada a esses períodos de meditação, as formações mentais devem sempre ser observadas nos termos do Deus manifestado, nosso Senhor Jesus Cristo.  

Excertos do artigo: “Em meditação” (Um discurso para a Sociedade de São João Evangelista, Cambridge, EUA, 10 de novembro de 1965.)


Dom Aelred Graham foi um monge e teólogo beneditino inglês da abadia de Ampleforth. De 1951-1967 serviu como superior do Priorado de Portsmouth em Rhode Island. Foi um dos pioneiros no diálogo interreligioso cristão-budista. Escreveu o famoso livro “Zen Católico” publicado em 1963, “O amor de Deus”, “Diálogos: Encontros com Cristãos e Budistas no Japão, 1968”, entre outros. Manteve por muitos anos correspondência e amizade com Thomas Merton. 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

WILLIGIS JAGER OSB - O NASCIMENTO VIRGINAL






(Natal 1996)

No mês de novembro participei do encontro anual de mestres Zen da nossa escola (Sanbo Zen) no Japão. Numa exposição me deparei com uma joia de arte budista. Representava o nascimento de Shakyamuni Buda. Sua mãe Mayadevi descansava graciosamente num sândalo ornado com diamantes. Shakyamuni caminhava com as mãos unidas e uma coroa na cabeça. Embora a história da vida de Shakyamuni seja bem conhecida em seus detalhes históricos, se desenvolveu em um dado momento, o mito do nascimento de uma virgem. Do mesmo modo o Atharva Veda relata outro nascimento imaculado. O mito que fala do nascimento de Krishna, lembra muito o de Jesus: ”O líder dos ascetas mandou levar Devaki (a virgem) e disse a ela: “O desejo dos devas se cumpriu, você conceberá o amor divino na pureza de seu coração. Virgem Mãe, nós te veneramos. Uma criança vai nascer e será o salvador do mundo. Mas teu irmão Kansa te procura e quer matar a você e o fruto perfeito que carregas no ventre. Tem de se proteger dele. Os monges e os pastores que vivem no pé do Monte Meru te levará até o ar puro dos Himalaias, debaixo  dos cedros perfumados. Lá você dará a luz ao seu divino filho, e dará o nome de Krishna o "bem aventurado”. Por que não se fala de tais mitos? Os mitos falam de nós mesmos. Devemos reconhecê-los e reconhecer neles o sentido da nossa vida. O Natal não se trata de provar historicamente o nascimento de Jesus e o milagre do nascimento biológico. A mensagem religiosa não se refere a fatos históricos. Proclama a verdade que há por trás deles, e se serve de imagens míticas e símbolos que se expressam melhor do que palavras inefáveis. Este é o nascimento do nosso Deus nos mitos mencionados. Todos nós fomos concebidos e nascidos da pureza. Portanto Mestre Eckhart nos diz: "Meu pai carnal não é o meu próprio pai, sou uma partícula da sua natureza mas sou diferente dele, ele morreu e eu estou vivo. Logo o Pai celestial é o meu verdadeiro pai, e tenho dele tudo que possuo, não sou outro mas o mesmo filho. Assim como o Pai não faz apenas uma única obra, por isso me fez como seu amado filho, sem diferenciações". (Edhasa Sermão IV)

Partida para um novo país (experiências de uma vida espiritual) pág. 61-62.

Willigis Jager Koun-ken, nasceu na Alemanha, é monge beneditino ex-clausurado e mestre Zen Budista ordenado por Harada Daiun Sogaku mestre da tradição Sanbô Zen.