PERGUNTA
Em sua condição de padre católico e praticante Zen, sendo a Colômbia primordialmente um país cristão, como você acha que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que se sintam forçadas a deixarem suas crenças ou que pensam que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de que maneira esta prática contribui para a construção de uma sociedade respeitosa, saudável e tolerante?
RESPOSTA
O Zen é uma fonte de experiência humana universal, o objetivo do Zen é acessível a todo e qualquer ocidental. Não se adota conceitos, símbolos, religião ou um culto que nos causa estranheza. É o lugar da própria experiência do silêncio interior, que nos liberta dos pontos de vista extáticos. É receber aquilo que o humano contém de universal.
Interior, íntimo, interno, profundo. Em torno da palavra “espiritualidade”, já escutei muitas coisas e por diversas vezes. Descobri que não é suficiente apenas fechar os olhos para se deparar com o interior ou o íntimo. Durante a oração apenas repetia as palavras, mas eu não estava em contato com meu interior. Isso se fazia presente na minha cabeça. Era melhor então aderir um sistema de crenças e adaptar-se a um código de comportamento moral. Fiquei bem, mas corri o risco de excluir algo mais profundo. A dimensão emocional e a multiplicidade de movimentos que meu corpo fazia com toda a sua riqueza eram muito fortes e impunha comportamentos que deixavam rastros de vazio e insatisfação. Eles eram, para mim, a entrada no amor, na paz, sabedoria e misericórdia.
Depois de um longo período da minha vida, conheci uma pessoa excepcional: Marco Vinício Rueda. Um padre jesuíta equatoriano. Encontramo-nos depois de visitar o mestre Karlfried Graf Dürckheim na Floresta Negra, sul da Alemanha, ele me convidou a descobrir uma prática que me daria ingresso ao interior, ao íntimo, ao mais profundo. Fui iniciado num exercício através do qual me sentava e nada fazia, e sempre que me sentava acontecia algo. Sem conceitos. Apenas a experiência.
Minha própria tradição espiritual, com sua origem em Jesus, salienta que o importante não é clamar "Senhor, Senhor", mas "fazer a vontade de Deus." Um mestre da minha tradição já tinha entendido que a Divindade é o além do íntimo “além das profundezas interiores". Então, encontrei uma maneira de fazer essa viagem sem sair de casa, e embarcar foi o vislumbre da fonte de água que jorra no meio do deserto sedento para a vida eterna. Quando uma fonte é encontrada e a água é bebida, não se volta a ter sede.
Na tradição Zen o âmago é chamado de “ser iluminado”, o que todos nós somos, é o que devemos buscar para alcançarmos a vida como ela é. Vim a entender o que é natureza buda. Prática contínua. Paciência. O professor Dürckheim dizia: as primeiras 100 horas de prática são emocionantes, as seguintes 1.000 são irritantes, mas apenas nas 10.000 horas seguintes acontece alguma transformação.
Esta descoberta deve vir acompanhada de um compromisso de labor. Perseverança, paciência, e deixar que tudo isso flua. Assim, a luz começa a vir como um eterno amanhecer que leva muitas horas para começar a filtrar as pequenas chispas de luz que gradualmente permitem perceber os contornos de tudo ao redor. A sabedoria torna-se gradativamente um caráter que não determinamos, um pensamento que surge e germina de uma pequena semente, uma paz instalada sem aviso prévio, um resultado que não se espera.
Então, comecei a entender algumas passagens importantes de Jesus quando ele descreve o que acontece em nosso meio quando este “crescer”, este “amanhecer” está incidindo. A possibilidade de se tornar fermento, luz e sal. Levedura que põem o espírito, a alma, no interior da massa. Luz que permite se mover na vida como ela é e tomar decisões responsáveis e criativas. Sal levando à descoberta de alegre sabor na vida cotidiana. Isso foi o que deu sentido pleno à vida diária. Essa é uma opção urgente no meio deste querido país imerso numa crise dolorosa de guerra e pobreza de milhões de irmãos. O ingresso é feito com o coração, compaixão, e misericórdia: ver o outro e enxergar o que afeta sua existência, para que o positivo se manifeste e remova os obstáculos para a promoção das qualidades benéficas.
Chegar ao íntimo, é chegar a compreensão que a essência do “eu” é realmente a essência de “nós”. Por todas estas razões, acho que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que suas crenças sejam violadas ou com a ideia de que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de modo que este exercício colabora para a construção de uma sociedade mais saudável, respeitosa, tolerante e solidária.
O Pe. Jorge Julio Mejia participou como palestrante de um dos foros do “3.Encontro Zen Latino Americano: Caminho de Transformação” realizado em Bogotá em 2016.
Pe. Jorge Julio Mejía SJ, é um sacerdote Inaciano da Companhia de Jesus. Começou sua prática de Zazen em 1991 através do Pe. Marco Vinício Rueda, S.J. Desde então mergulhou no Zen graças a alguns professores e ao sesshin que participou orientado por Denso Hozoumu Roshi. Sua prática faz parte da tradição do psicólogo Karlfried Dürckheim Graf e Hugo Enomiya-Lasalle S.J, praticantes de origem alemã que iniciaram a introdução do Zen no Ocidente, conectando-o à espiritualidade cristã. Segundo ele, "o encontro com o Zen trouxe à existência um caminho de desenvolvimento interior e contato com a fonte da vida e sabedoria" completa "a transformação da vida pessoal é um evento que ocorre sem qualquer objetivo de busca", é como diz Santo Agostinho: "No mais íntimo do meu íntimo está Deus".