quarta-feira, 21 de junho de 2017

HERÓDOTO BARBEIRO E FREI BETTO: O BUDISTA E O CRISTÃO


Heródoto: Assim como Buda, Jesus meditava?

Frei Betto: Tenho para mim que Jesus passava longos tempos em meditação. Não acredito que ele orasse como a minha vó paterna. À noite, ela abria a lista de oitenta nomes da família e, enquanto não rezasse por cada um, não terminava as orações, achando que se alguém morresse não teria reduzida sua pena no purgatório ou não se salvaria do inferno...

Jesus costumava passar a noite em oração. Quem de nós, nos últimos dez anos, passou uma noite em oração? suponho que ele meditava. Ou seja. falamos muito de Deus, sobre Deus, a Deus, mas não deixamos Deus falar em nós. Porque isso mexe muito com os rumos de nossas vidas. Jesus, no entanto, deixava Deus falar nele.

Essa é a grande contribuição do Budismo ao Cristianismo - a meditação com excelência de oração. Na meditação, escutamos Deus, um escutar sem ouvidos e palavras, uma intuição, irmã gêmea da inteligência. Inteligência, em latim, significa intus legere, ser capaz de "ler dentro". Recordo a cozinheira do meu avô materno, Bertula, filha de escravos, que nunca aprendeu a ler, mas era muito inteligente. Às vezes, chegava uma visita na casa de meu avô e ela apenas observava. Depois, chamava minha vó e alertava: "olha, sabe aquela pessoa? Não confie, não". Dito e feito. Era inteligente e intuitiva também., como se lesse no interior das pessoas e pressentisse. Esta opera na mente, aquela no plexo solar.

Jesus só teria se dado conta de que Deus o escolheu para ser a sua encarnação no momento em que ressuscitou. Tanto que chorou na hora da morte, teve muito medo. O Evangelho diz que chorou lágrimas de sangue.

trecho do livro: Heródoto Barbeiro e Frei Betto: O budista e o cristão: um diálogo pertinente.

terça-feira, 20 de junho de 2017

PE. JACQUES BRETON OCD - O ZEN E OS SÍMBOLOS


A prática Zen Budista teve como primeiro efeito me fazer redescobrir o lugar dos grandes símbolos da vida espiritual. Mas o Zen Budismo não se concentra em simbolismos por razões que veremos mais adiante. Entretanto, paradoxalmente, me aprofundando nesta prática fui capaz de reviver todos os símbolos que ensina a Bíblia. Mas o que é um símbolo? Padre Ganne diz: "Ao contrário da crença popular de que o simbolismo se tornou sinônimo de algo irreal, refere-se ao antagonismo usado para reconhecer a si mesmo, para o reconhecimento mútuo de se tornar presente." Etimologicamente o termo grego “sol-bolon” significa que duas metades de um objeto separado servirão como sinais de reconhecimento de suas respectivas unidades. Nas tradições religiosas, o simbolismo tem como objetivo juntar duas extensões: material e espiritual, sagrado e profano, o homem e Deus. Separados por diferentes causas, são destinados a reencontrar a sua unidade primordial na totalidade do que são. Em vez disso, o “dia-bolon”, o "diabo", tentará separar os dois planos e se oporá a reunificação da matéria e o espirito. Tomemos o exemplo da luz do farol: para o marinheiro que vê a luz, essa luz é um sinal convencional indicando o ponto da sua rota. Para Moisés no Monte Horeb, aquela luz que queimava sem se apagar tornou-se um símbolo. Na imagem de um fogo encantador, ele apresentou este Deus três vezes santo (Isaías 6: 3), que não podemos tocar sem morrer. Isso mesmo, o fogo, que também é a luz, pode se manifestar como a Luz Divina. Assim o povo de Israel foi guiado pelo fogo em sua marcha para o deserto (Números 9:15). Mas o fogo também tem a propriedade de purificar, e o anjo toma uma brasa no altar para purificar o profeta Isaías e libertá-lo do pecado para que se torne o mensageiro do Senhor (Is 6: 7-8 ). Na Nova Aliança, este símbolo irá se intensificar, para  assim internalizarmos. Não vai ser apenas um sinal de reconhecimento, ele vai desempenhar o seu papel vital de conectar o homem com Deus. Ser cristão é ser batizado no fogo, ou seja, imerso nele (Mateus 3, 11). O fogo torna-se a presença do Espírito Santo no coração do homem. No Pentecostes, os discípulos receberam o Espírito Santo como “línguas de fogo”. Este fogo vai simbolizar o Espírito Santo que unifica o espírito humano para iluminar a sua inteligência e abri-la a outras culturas. Pode se transformar na chama interior que inflama o coração do homem (Lucas 12: 49). Por outro lado, pode ser que para aqueles que recusam o Espírito Santo, o signo do fogo seja o da destruição e da morte  (Mateus 25: 4). Então, é o cristão o chamado a viver este símbolo de fogo interno na presença do Espírito Santo. A Bíblia está cheia de símbolos. Todos - água, vento, alimento, terra, céu, a cruz – o fogo permite o encontro com Deus no aspecto do que ele significa. Embora conceitos ainda sejam abstrações, o símbolo pelo contrário é uma realidade que nos ajuda a estabelecer concretamente uma relação com a totalidade.


Pe. Jacques Breton OCD, foi um padre carmelita francês da abadia de Saint-Benoit-sur-Loire. Na década de 1970, descobriu o Zen Budismo e seguiu um ano tomando ensinamentos com Karlfried Graf Dürckheim na Alemanha. Passou também vários meses em um mosteiro Zen em Tóquio como parte do intercâmbio espiritual organizado pelo Vaticano. Em 1987, ele fundou a "Casa de Assis" em Saint-Gervais. Anualmente o mestre Roshi Hozumi Gensho  é convidado por ele para orientar retiros na França. Foi um dos principais a promover o diálogo interconfessional na França. É o autor do livro "Iluminação: experiência Cristã e Zen Budista". 

PE. HENRY VESSEUR - O DIÁLOGO NA HOLANDA


Jardim Zen do mosteiro de St. Willibrord

P: Você diz que neste mosteiro se pratica o Zen. Disse também que os monges tiveram uma espécie de crise de identidade após o Concílio Vaticano II, e que o monasticismo cristão foi reinventado utilizando o Zen. O que foi encontrado no Zen que deslumbrou a tradição cristã?

R: Depois da declaração do Concílio Vaticano II muitos monges saíram das suas abadias, a seguridade da vida monástica tradicional e suas regras fixas se vulnerabilizaram. Além disso, a sociedade sofreu alterações. A questão da busca de Deus foi confrontada, que é o único critério da Regra de São Bento. Nesta abertura, os irmãos tornaram-se familiarizado com o Pe. Hugo Lasalle. A partir disso, o Zen foi reconhecido. O Zen foi a causa dos irmãos dizerem naquela época: "Vamos também pela corrente da Nostra Aetate, (o documento do Concílio Vaticano II sobre o diálogo com as religiões orientais), e foram para os retiros organizado pelo Pe. Hugo Lasalle. E assim, o que nós encontramos no Zen? Especialmente a oração suave e sem palavras. Tal oração é própria no cristianismo, quando falamos sobre da oração como uma instrumento para a paz. Praticar o Zen é realmente para nós uma redescoberta deste aspecto contemplativo. Redescobrimos o silêncio. Na igreja você vê o retorno disso. Por exemplo, existem momentos silenciosos de contemplação durante a liturgia, que pode ser um tipo de silêncio contínuo, ininterrupto. O silêncio nos leva para as profundezas de si mesmo, ao nosso coração. Para fazer este movimento, nós realmente não tínhamos mais recursos. O Zen tem nos ajudado a descobrir novamente o que S.Bento falava sobre o “ouvir”.

P: Você vê a prática do Zen dentro da comunidade monástica como uma forma de múltipla pertença religiosa?

R: A prática do Zen no mosteiro continua a ser um ponto um pouco complicado. Acontece que alguns irmãos meditam totalmente na forma budista e falham em alguns outros pontos. Assim, eles também se soltaram da forma tradicional cristã. A vida monástica cristã não deve ser uma mistureba, que você põe no liquidificador e pratica as duas tradições como se fosse uma. Quando falo para mim mesmo: o gênio do cristianismo é Cristo, é porque ele é a razão de ser dos cristãos. Isso é não é igual nas outras tradições. Essas diferenças, devemos manter. Isso é o que “Nostra Aetate” diz. Ao mesmo tempo, uma visão importante da “Nostra Aetate” diz que as religiões são mutuamente especiais. O Zen tem nos servido como uma forma de explorar as camadas da nossa própria tradição. Isso faz da nossa vida monástica uma riqueza. Toda a cultura por trás, a cultura budista, o caminho óctuplo, etc, para nós tem um valor direto no nosso monaquismo, no sentido de que nos acrescenta. E, devo honestamente dizer agora que eu sou o único na abadia que está fortemente envolvido com o Zen, e que leva a sério a meditação. O Zen no nosso mosteiro é realmente um legado, hoje estamos profundamente envolvidos com a sociedade holandesa que está cada vez mais caracterizada pela presença de pessoas de diferentes culturas, que também aderiram diferentes religiões."

trecho de uma entrevista feita por Hanneke Honselaar do site https://www.nieuwwij.nl/





Pe. Henry Vesseur, é abade do mosteiro beneditino de “St. Willibrord” em Gelderlen – Doetinchem na Holanda. O mosteiro é conhecido desde os anos sessenta por integrar o Zen Budismo na vida monástica cristã. É realizado anualmente encontros inter-religiosos junto a sangha budista do Zen River. Dentro da programação do mosteiro é oferecido sessões de Zazen aos interessados, as sessões são orientadas pelo pe. Henry Vesseur, além dos serviços litúrgicos tradicionais.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

sábado, 17 de junho de 2017

PE. JORGE JULIO MEJÍA SJ - 3. ENCONTRO ZEN LATINO AMERICANO



PERGUNTA

Em sua condição de padre católico e praticante Zen, sendo a Colômbia primordialmente um país cristão, como você acha que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que se sintam forçadas a deixarem suas crenças ou que pensam que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de que maneira esta prática contribui para a construção de uma sociedade respeitosa, saudável e tolerante?

RESPOSTA

O Zen é uma fonte de experiência humana universal, o objetivo do Zen é acessível a todo e qualquer ocidental. Não se adota conceitos, símbolos, religião ou um culto que nos causa estranheza. É o lugar da própria experiência do silêncio interior, que nos liberta dos pontos de vista extáticos. É receber aquilo que o humano contém de universal.

Interior, íntimo, interno, profundo. Em torno da palavra “espiritualidade”, já escutei muitas coisas e por diversas vezes. Descobri que não é suficiente apenas fechar os olhos para se deparar com o interior ou o íntimo. Durante a oração apenas repetia as palavras, mas eu não estava em contato com meu interior. Isso se fazia presente na minha cabeça. Era melhor então aderir um sistema de crenças e adaptar-se a um código de comportamento moral. Fiquei bem, mas corri o risco de excluir algo mais profundo. A dimensão emocional e a multiplicidade de movimentos que meu corpo fazia com toda a sua riqueza eram muito fortes e impunha comportamentos que deixavam rastros de vazio e insatisfação. Eles eram, para mim, a entrada no amor, na paz, sabedoria e misericórdia.

Depois de um longo período da minha vida, conheci uma pessoa excepcional: Marco Vinício Rueda. Um padre jesuíta equatoriano. Encontramo-nos depois de visitar o mestre Karlfried Graf Dürckheim na Floresta Negra, sul da Alemanha, ele me convidou a descobrir uma prática que me daria ingresso ao interior, ao íntimo, ao mais profundo. Fui iniciado num exercício através do qual me sentava e nada fazia, e sempre que me sentava acontecia algo. Sem conceitos. Apenas a experiência.

Minha própria tradição espiritual, com sua origem em Jesus, salienta que o importante não é clamar "Senhor, Senhor", mas "fazer a vontade de Deus." Um mestre da minha tradição já tinha entendido que a Divindade é o além do íntimo “além das profundezas interiores". Então, encontrei uma maneira de fazer essa viagem sem sair de casa, e embarcar foi o vislumbre da fonte de água que jorra no meio do deserto sedento para a vida eterna. Quando uma fonte é encontrada e a água é bebida, não se volta a ter sede.

Na tradição Zen o âmago é chamado de “ser iluminado”, o que todos nós somos, é o que devemos buscar para alcançarmos a vida como ela é. Vim a entender o que é natureza buda. Prática contínua. Paciência. O professor Dürckheim dizia: as primeiras 100 horas de prática são emocionantes, as seguintes 1.000 são irritantes, mas apenas nas 10.000 horas seguintes acontece alguma transformação.

Esta descoberta deve vir acompanhada de um compromisso de labor. Perseverança, paciência, e deixar que tudo isso flua. Assim, a luz começa a vir como um eterno amanhecer que leva muitas horas para começar a filtrar as pequenas chispas de luz que gradualmente permitem perceber os contornos de tudo ao redor. A sabedoria torna-se gradativamente um caráter que não determinamos, um pensamento que surge e germina de uma pequena semente, uma paz instalada sem aviso prévio, um resultado que não se espera.

Então, comecei a entender algumas passagens importantes de Jesus quando ele descreve o que acontece em nosso meio quando este “crescer”, este “amanhecer” está incidindo. A possibilidade de se tornar fermento, luz e sal. Levedura que põem o espírito, a alma, no interior da massa. Luz que permite se mover na vida como ela é e tomar decisões responsáveis e criativas. Sal levando à descoberta de alegre sabor na vida cotidiana. Isso foi o que deu sentido pleno à vida diária. Essa é uma opção urgente no meio deste querido país imerso numa crise dolorosa de guerra e pobreza de milhões de irmãos. O ingresso é feito com o coração, compaixão, e misericórdia: ver o outro e enxergar o que afeta sua existência, para que o positivo se manifeste e remova os obstáculos para a promoção das qualidades benéficas.

Chegar ao íntimo, é chegar a compreensão que a essência do “eu” é realmente a essência de “nós”. Por todas estas razões, acho que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que suas crenças sejam violadas ou com a ideia de que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de modo que este exercício colabora para a construção de uma sociedade mais saudável, respeitosa, tolerante e solidária.

O Pe. Jorge Julio Mejia participou como palestrante de um dos foros do “3.Encontro Zen Latino Americano: Caminho de Transformação” realizado em Bogotá em 2016. 



Pe. Jorge Julio Mejía SJ, é um sacerdote Inaciano da Companhia de Jesus. Começou sua prática de Zazen em 1991 através do Pe. Marco Vinício Rueda, S.J. Desde então mergulhou  no Zen graças a alguns professores e ao sesshin que participou orientado por Denso Hozoumu Roshi. Sua prática faz parte da tradição do psicólogo Karlfried Dürckheim Graf e Hugo Enomiya-Lasalle S.J, praticantes de origem alemã que iniciaram a introdução do Zen no Ocidente, conectando-o à espiritualidade cristã. Segundo ele, "o encontro com o Zen trouxe à existência um caminho de desenvolvimento interior e contato com a fonte da vida e sabedoria" completa "a transformação da vida pessoal é um evento que ocorre sem qualquer objetivo de busca", é como diz Santo Agostinho: "No mais íntimo do meu íntimo está Deus"

segunda-feira, 12 de junho de 2017

THOMAS MERTON OCSO - O TAO DE CRISTO



O cap. 67 do Tao Te Ching é um dos mais profundos e mais próximos do Cristianismo. No Tao, "que mais estranho que qualquer coisa na terra", encontram-se três tesouros: a misericórdia, frugalidade, e o não querer ser o primeiro no mundo. E contém esta afirmação extraordinariamente profunda:

porque sou misericordioso, posso ser valente
pois o céu virá em socorro do misericordioso
e o protegerá com sua misericórdia

Ouvem-se ecos do Evangelho: "Bem aventurados os misericordiosos..." "o amor perfeito lança fora o temor". Ao comparar a tradução do dr. Wu com a de Lin Yutang, na edição de Lao Tzu pela Modern Library (outra tradução extremamente interessante, com passagens paralelas do poeta e sábio Chuang Tzu), encontramos novas perspectivas. (Muitas vezes é necessário ler a tradução de um texto chinês em duas ou mais versões.)

quem desiste do amor e do destemor
desiste da moderação e guarda poder
desiste de seguir atrás e corre na frente
este está perdido!
pois o amor é vitorioso no ataque
e invulnerável na defesa,
o céu arma com amor
aqueles que não quer ver destruídos

A palavra que Lin Yung traduz por "amor", e o dr. Wu por misericórdia, é, de fato, o amor compassivo da mãe pelo filho. Mais uma vez, o sábio r o governante prudente são homens que não correm à frente para se engrandecerem a si mesmos, mas cuidam, com solicitude amorosa, da realidade "sagrada" das pessoas e das coisas que lhe foram confiadas pelo Tao.



Thomas Merton  
Místicos e Mestres Zen  
AMOR E TAO 
pág. 84-85.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

PE. LUCIANO MAZZOCHI - A PIA BATISMAL E O TSUKUBAI


O "tsukubai" é um elemento muito importante nos templos xintoístas e budistas do Japão. Além dos locais religiosos, o “tsukubai” ornamenta muitos jardins de instituições civis - escolas de cerimônia do chá e residências, como expressão de uma sensibilidade espiritual própria e independente de qualquer filiação religiosa. Os japoneses que moram nas ilhas cercadas pelo oceano pacífico, nos períodos sazonais das chuvas de monção, desenvolvem uma relação de reverência e intimidade com a água. A água é a graça; o tsukubai é o altar.

O “tsukubai” geralmente é feito a partir de um bloco de granito, com uma cavidade aberta na superfície central superior, para receber a água. A água flui por um canal de bambu, dessa forma é direcionada para o interior do “tsukubai”. A água é de preferência das chuvas da primavera. Em alguns lugares, o “tsukubai” é coberto por um telhado simples, e cercado por pequenas pedras e um jardim.

O “tsukubai” é o primeiro lugar "sagrado" por onde o visitante passa antes de entrar no espaço interno de um templo ou de uma residência. O visitante usa uma longa concha de bambu que fica reclinada no “tsukubai” chamada “hishaku”. Com essa concha a água é recolhida e derramada na mão esquerda, purificando-a. Então, com mão esquerda, um pouco de água é despejada sobre a mão direita, purificando-a também. Do mesmo modo, a água recolhida com o mesmo "hishaku" e é despejada na mão para ser bebida, purificando o interior do corpo. Se necessário, o “hishaku” é lavado e colocado de volta com a cavidade reclinada na superfície do “tsukubai”, e assim, disponível para o próximo visitante. 

Os exemplares de “tsukubai” mais venerados, tem nas quatro extremidades alguns kanjis entalhados. Na verdade, a forma central quadrada na pedra reproduz o kanji "kuchi- boca” 口. Isso não é por acaso, mas sim o primeiro ensinamento do “tsukubai”.


Os quatro kanjis são:

• 吾 ware: louça
• 唯 tada: apenas, somente
• 足 taru: ser suficiente, bastar, valer a pena, merecer
• 知 shiru: saber - sei

A frase que se obtém é “taru tada ware shiru”. A tradução em língua portuguesa fica assim: “o que se tem é tudo que se precisa”. O “tsukubai” está sempre cheio, porque recebe água ininterruptamente e, em seguida, deixa tudo fluir. O templo, a cerimônia do chá, o jardim de areia, o bosque de bambu, as pessoas que se deslocam para se purificar e rezar, tudo é preenchido na fluidez das coisas que mana e se modifica. Tudo é a celebração da presença e da partilha, sem se fechar a nada, mas deixando tudo fluir livremente de acordo com a lei da impermanência, assim como o canal de bambu que despeja água na pedra. O fluxo da água e a resistência da rocha: o “tsukubai”.

Na tradição católica, um elemento cristão que se comunica com o “tsukubai” é a pia batismal, especialmente se escavada numa rocha como no batistério da Basílica de São Pedro e São Paulo Agliate (Brianza), onde a água batismal brota da própria rocha. No Japão, muitas igrejas católicas adotaram o “tsukubai” como repositório de água benta. Da contemplação do “tsukubai” e do batistério escavado na rocha, brota a esperança, a oração, que é a restauração da liturgia,  a missão da água benta como memória da doçura da cena  em que Jesus desceu ao Jordão, e pelas mãos de João Batista foi mergulhado nas águas correntes do rio. Então, do céu veio a voz: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3:17).

Luciano Mazzocchi, é missionário Jesuíta Xaveriano nascido na Itália, viveu durante vinte anos (1962-1982) no Japão, estudou as tradições religiosas e a cultura do país. De volta à Itália, fundou com o monge Zen Jiso Forzani, a sangha "Estrela da Manhã", local de diálogo entre os Evangelhos de Cristo e o Zen Budismo. Em 2008 fundou a associação "Evangelho e Zen", com sede em Desio, Brianza. É o autor de vários livros, dentre os quais se destaca “O Evangelho de João e o Zen”; “O evangelho e o Zen. Diálogo como caminho religioso” (com AM Tallarico); “As ondas e o mar. A aventura de um cristão no diálogo com o Zen”.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

SHIZUTERO UEDA - OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO....


“Olhai as aves do céu...
Olhai os lírios do campo”

(Mt 6, 26s)

“Ao Zen não interessa tanto uma prescrição teórica para a existência através da rosa, não interessa o modo pelo qual o ser humano deve ser, mas sobretudo a experiência imediata que envolve o ser tocado pelas coisas. Um mestre Zen procederia de modo diverso (daquele do evangelista). Diria simplesmente ao discípulo: ´Olhai os pássaros no céu! Olhai os lírios no campo`, sem acrescentar nenhuma prescrição. Ele não ensina aquilo que deveríamos, ao contrário, aprender diretamente dos pássaros e dos lírios. A presença dos pássaros em voo e a presença dos lírios em flor rompem com o fechamento no eu, podendo revelar o início decisivo da verdadeira vida”.


Shizutero Ueda é filho de sacerdote budista, estudou filosofia na Universidade de Kyoto, e teve Keiji Nishitani como orientador das suas pesquisas. Viajou para a Alemanha, e finalizou seu doutorado na Universidade de Marburg, com a tese sobre a mística cristã de Meister Eckhart. Retornou à Universidade de Kyoto para ensinar Filosofia da Religião. Mais tarde, se especializou no pensamento de Kitaro Nishida. Sendo um praticante Zen, Ueda - como Nishida - estudou o Zen sob as categorias filosóficas ocidentais. É considerado membro da terceira geração da Escola de Quioto.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

THOMAS MERTON OCSO - SÃO FRANCISCO XAVIER E O ZEN



[...] São Francisco Xavier escreveu: 

"Conversei com vários bonzos cultos, especialmente com um que é muito considerado aqui por todos, tanto por sua sabedoria, sua conduta e sua dignidade como por sua venerável idade de oitenta anos, Seu nome é Ninshitsu, que significa "Coração da verdade" em japonês. Ele é, entre eles, como que um bispo, e, de acordo com o seu nome, é realmente um homem abençoado... É uma maravilha que esse homem seja para mim um tão bom amigo".

Thomas Merton - Místicos e Mestres Zen, pág.9