quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

DAVID GOTTLIEB - COMO AMBAS AS TRADIÇÕES BUDISTAS E JUDAICAS ENSINAM SOBRE O TODO PODEROSO


Às 6 da manhã, meu professor toca o sino. O som espiralado, torna-se vazio. No centro de uma sala, estamos sentados de pernas cruzadas, de frente para uma parede de tijolos. Lentamente a mente se aquieta, a respiração se aprofunda; o barulho das crianças do lado de fora atravessa as paredes: duas crianças brincam e falam alto indo em direção para o ponto de ônibus, sons de ambulância, e helicóptero.

Neste momento não há palavras, nem orações, nem milênios sucessivos onde Deus opera meus atos. Lá está meu professor e lá estou eu, submergido na turbulência em que me joguei há quatro décadas. Quando meu professor toca o sino de novo, isso me traz de volta à superfície. À medida que o som do sino se amplia mais uma vez, meus pulmões se abrem, minha mente se clareia e meus joelhos ainda doem. Com silêncio e quietude, outro dia começa.

Isto aconteceu há uma década. Minha história não é a única. Criado com pouca aproximação ou conexão com o Judaísmo, mas em busca de um caminho espiritual, encontrei o budismo. Uma imersão rápida, mas profunda à prática budista levou-me, de volta a prática judaica embasada pelo estudo e pela meditação. Algo parecido aconteceu com milhares de budistas no Ocidente. Alguns judeus regressaram ao judaísmo, alguns abraçaram plenamente o budismo, a maioria considera o judaísmo compatível com as práticas contemplativas que são ensinadas nas salas de meditação. Como mencionado pela escritora Ellen Frankel, os judeus deslocados buscam um caminho religioso que lhes seja aberto, mas não carregado de dogmas antiquados - um caminho que não requer conversão, mas que envolve o espírito. É difícil saber exatamente quantos judeus praticam em sanghas americanas, mas é inegável que eles sejam peculiares, e são uma parcela significativa da comunidade. Na verdade, Jay Michaelson, editor colaborador do The Jewish Daily Forwardafirma que a prática ocidental do budismo é em si uma invenção de judeus insatisfeitos. Um aiatolá imaginativo chega ao ponto de sugerir que os judeus, ansiosos por escapar à versão universal, realizam o budismo como disfarce.

O budismo me ajudou em um período de intenso recolhimento espiritual. Sentado em meditação ou estudando com meu professor, comecei a compreender uma narrativa interna que me retratava como uma vítima indefesa de vontades mais fortes, em vez de um cocriador ativo de minhas situações. No zendo aprendi a ficar quieto e aos poucos superar essa história. E fazer isso transformou minha conexão com Deus que experimento na sinagoga. Agora, a relação entre a sinagoga e o zendo me auxilia em um período ainda mais complicado.

Há menos de um mês, minha esposa desenvolveu um câncer. Quando recebemos a notícia, estávamos do lado de fora de uma loja sorvetes com nossa filha mais velha e o namorado dela. Nossa filha começou imediatamente a chorar – as mães de dois amigos íntimos dela perderam batalhas contra o câncer nos últimos dois anos. As lágrimas de nossa filha fizeram minha esposa começar a soluçar imediatamente; o namorado e eu abraçamos nossos amores e lançamos nossos olhares desamparados ao chão.

Muito tem sido escrito sobre as escolhas disponíveis aos judeus ocidentais enquanto eles personalizam uma vida espiritual. Mas o que acontece com sua vida espiritual quando ela fica confinada à tarefa simples e nada atraente de cuidar do outro? Quando o seu reservatório de compaixão seca e quando você sofre todos os dias ao ver seu parceiro sofrer - o que acontece?

Nos primeiros tempos estudando o budismo, quando meu professor me pediu para carregar um diário e manter o pensamento: “Não dois” na mente por uma semana, eu não tinha certeza do que ele queria chegar, ou do que deveria ou não deveria estar pensando. Num dia de outono, visitei meus pais em Chicago onde cresci. Estacionei o carro à sombra de uma árvore. Quando voltei para o carro, vi que um lado da copa das folhas da árvore estava vermelho e dourado, enquanto o outro lado permanecia verde. Naquele momento, tive um lampejo de percepção sobre a fantasia do dualismo. Foi no outono e no não-outono; a árvore era uma e não-uma; e eu era um e não-um com a árvore e com cada uma de suas folhas.

Esse ensinamento repercute cada vez que acompanho minha esposa às consultas médicas e às sessões de quimioterapia. Para ela, essas visitas são em partes bem tediosas e desgastantes. Ela recebe questionários com perguntas vagas e aparentemente intermináveis. Eu anoto tudo. Com tudo isso, estamos sozinhos e não sozinhos.

Todas as manhãs, antes de meditar, faço uma pausa para refletir sobre a não dualidade entre minha esposa e eu, a dor e a esperança, as células saudáveis ​​​​e as cancerígenas.

Mas a oração também me é útil. Diz-se que oramos não para mudar a mente de Deus, mas para mudar a nossa própria disposição em relação ao mundo e, na verdade, a toda a criação. A oração judaica, que em sua forma tradicional é uma série intrincada e coreografada de palavras e gestos, sempre sustentou minha esposa. Rezando com ela em comunidade, diante da Arca que contém a Torá, é possível sentir a não-dualidade de toda a comunidade – seus anseios por paz e unidade.

Joseph B. Soloveitchik, em The Lonely Man of Faith, comentou que há duas histórias sobre a criação de Adão por Deus no livro de Gênesis. A primeira (Gn 1.26-29) diz apenas que Deus fez Adão à sua imagem; a segunda (Gênesis 2:7), entretanto, diz que Adão se formou do pó da Terra e Deus soprou vida em suas narinas. O primeiro Adão, diz Soloveitchik, é um criador: inquieto e motivado, ansioso por aproveitar os recursos abundantes à sua disposição. Ele não perguntou “Por quê?” mas como?" O segundo Adão, por outro lado, é feito pela curiosidade e pela admiração. Ele é um receptor e explorador da abundância em que se encontra. O primeiro Adão construiu e trabalha através da comunidade; o segundo Adão reflete sobre sua solidão e busca compreender.

Esta é a não dualidade do Judaísmo.

Todas as manhãs durante as últimas semanas, que foram bem agitadas, levantei-me diante de minha esposa e desci silenciosamente as escadas para meditar. Mesmo quando afundo abaixo da superfície da minha mente barulhenta, fico alerta aos movimentos dela. Assim que ouço os seus primeiros passos - mesmo no meio da prática - subo as escadas para ver como ela está. Continuo rezando para que as forças de cura derrotem o câncer dela. E continuo sentado em silêncio todas as manhãs, respirando, pensando e não pensando, tomando consciência de tudo o que surge e desaparece, dentro e fora.


David Gottlieb, é escritor freelancer e ativista pró moradia popular em Chicago. É coautor do livro "Cartas para um Judeu Budista", na qual discute o zen budismo com o Rabino Akiva Tatz. 

sábado, 6 de janeiro de 2024

RABINO ADAM VOGEL - SUTRA DO CORAÇÃO JUDAICO: A GRANDE SABEDORIA DO CORAÇÃO (TEFILAT CHOCHMAT LEV HANORAH)

Recentemente, tenho brincado muito com as raízes da meditação judaica e o Vipassana, a meditação budista tradicional. Como praticante Zen, estou familiarizado com o Sutra do Coração, um Sutra que é entoado diariamente em todos os templos budistas. Comecei a experimentar a sonoridade do Sutra do Coração no contexto judaico. Deem uma olhada abaixo!


A Grande Oração da Sabedoria do Coração 


O Grande Tzadik praticando a profunda perfeição da sabedoria

Percebeu o vazio de todos os cinco desejo

E superou todo sofrimento.

Ó Chassidim, D´us não é outro senão a Criação

A Criação não é outra senão D´us

A criação é precisamente D´us

D´us é precisamente a Criação

Sensação, pensamento, fenômenos e consciência também são assim

Ó Chassidim, todas as coisas são manifestações de Ayin

Não nascido, não destruído, não manchado, não puro

Sem ganho, sem perda

Assim, em Ayin não há Yesh 

Em Yesh, não há Ayin

Sem sensação, nem pensamento, fenômeno nem consciência

Sem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente

Sem cor, som, cheiro, sabor, tato, fenômeno

Sem nenhum reino de visão, nem reino de consciência

Sem ignorância e sem fim para a ignorância;

Sem velhice e morte; sem cessação sem velhice e morte

Sem sofrimento, sem causa de sofrimento, sem fim para o sofrimento.

Sem caminho, sem sabedoria e sem ganho.

Nenhum ganho – assim os Tzadikim vivem esta Perfeição da Sabedoria

Sem nenhum obstáculo mental –

Nenhum obstáculo, portanto, sem medo

Muito além de toda ilusão, O Mundo Vindouro já está aqui

Todos os Tzadikim passados, presentes e futuros vivem esta Perfeição da Sabedoria

E alcança a Suprema e perfeita Sabedoria do Coração

Portanto saiba que a Perfeição da Sabedoria é uma grande Oração

A grande Oração brilhante, a oração suprema, a oração insuperável

Para que todo o sofrimento seja eliminado

Isto é verdade não é mentira

Portanto, apresentamos esta grande Oração do Coração de Sabedoria

Faça esta oração e proclame

Esta é a nossa vida

A duração dos nossos dias

Dia e noite meditamos sobre isso

A Grande Oração do Coração-Sabedoria!

Tefilat Chochmat Lev Hanorá!


Rabi Adam Fogel, formou-se no Seminário Rabínico Pluralista e completou sua formação de Meditação Judaica no Instituto de Espiritualidade Judaica em 2017. Pratica zazen desde 1996 e é aluno de Ruben Habito SJ Roshi na tradição Sanbo Zen. Adam está envolvido nas tradições da Renovação Judaica e da atenção plena no contexto judaico. Profissionalmente, trabalha como psicólogo e terapeuta matrimonial. O judaísmo consciente, que ajuda a promover, se dedica a nutrir  uma espiritualidade profunda e a desenvolver um judaísmo contemplativo e significativo para esses dias. Mantém o site www.mindfuljudaism.com.