quarta-feira, 12 de junho de 2019

PETER ILGENFRITZ - APRENDENDO A VELEJAR: MINHA VIDA INTERRELIGIOSA CRISTÃ BUDISTA



Eu estou tomando aulas de velejamento. É a última coisa que pensei que estaria fazendo. Particularmente, nunca gostei de barcos, estar na água, contar com instabilidades. Mas sabe aquele momento em que você ouve algo dizendo em seu coração para você fazer algo? Odeio quando isso acontece. Eu amo a estabilidade e manter as coisas do mesmo jeito.  Mas a meia-idade bateu à porta da minha vida. E estou experimentando uma época de transformação - do homem que eu já fui para um novo homem que estou me tornando. As habilidades que desempenhei usei para me conhecer, e como ser produtivo e proficiente, mas essas não são mais as habilidades de que preciso para seguir em frente. Fui forçado a prestar atenção em algumas outras coisas que não havia feito antes. Eu tive que olhar para dentro, para prestar atenção à minha mudança de uma forma que  eu não havia feito antes. Tive que me mover para o desconhecido, do terror à excitação, para descobrir novamente quem eu era. Ouvi uma batida semelhante na porta do meu coração, cerca de 10 anos atrás, quando eu sabia que precisava morrer para algumas coisas. Eu não tinha ideia do que isso significava ou como fazer, mas quando ouvi a sugestão de que eu poderia participar de um retiro zen de uma semana, sabia que era exatamente o que eu precisava fazer. Eu nunca tinha meditado. Eu particularmente não gosto de ficar em silêncio ou ficar parado. Mas sabia que isso era o que eu precisava para deixar as coisas fluírem. É uma grande coisa inovar. Sinto que estou com seis anos de novo, como no primeiro dia do primeiro ano na escola. Ansioso e animado. Sentindo-me como todos que sabem dos preceitos. Foi assim na aula de vela no mês passado, e naquele primeiro retiro de meditação zen. Quem são essas pessoas, me perguntei, nessas estranhas vestes negras? O que têm nesses cânticos? Que idioma eles estão cantando? Nós realmente temos que comer todas as nossas refeições com pauzinhos? Porque os budistas se curvam a todo momento?  É uma grande coisa fazer algo novo. Porque você não sabe o que pode acontecer em seguida. Nós tivemos condições perfeitas para minha primeira aula de vela, pelo menos para mim. Não havia absolutamente nenhum vento. Nós mal conseguimos sair da doca. Então, me senti tranquilo três dias depois, quando vim para a segunda aula. E novamente, condições perfeitas, outro dia sem vento. Mas quando pegamos o barco no meio do lago Union, um vento forte começou a soprar, inflou as velas, e lançou o nosso barco pro outro lado do lago. Eu me agarrei à borda do barco e alguém gritou: "Está tudo bem? Nós não vamos tombar ?!”, "Não", ouvi o instrutor dizer: "Estamos bem". "Você tem certeza?! Você realmente tem certeza ?!”. E então percebi que a pessoa gritando era eu. "Sim", disse o instrutor, "É por isso que temos uma quilha de 500 libras embaixo de nós." Eu não sabia exatamente o que era uma quilha. Ou para que servia. Eu certamente não a via. Eu me perguntava se poderia quebrar ou cair. O que eu sei é que minha vida dependeu disso. Eu estava apenas a uma hora do primeiro retiro de meditação, quando tive essa sensação. Eu me senti como no veleiro no mês passado  - me levantando acima das águas, oscilando na borda de algo que eu não tinha certeza que iria segurar. Derramei uma lágrima,  de modo que aprendi a andar a semana toda. E entre o terror e as lágrimas, lentamente, fui me purificando e se soltando. Foi há muitos anos, no meu primeiro ano de faculdade, que li “Monoteísmo Radical e Cultura Ocidental”, de H. Richard Niebuhr. Perto do final do livro, ele escreveu algumas frases que eu sublinhei e protagonizei várias vezes ao longo dos anos:

“Há algo na realidade com o qual todos nós devemos contar. Podemos não ser capazes de dar um nome a ela, chamando-o apenas 'vazio', de onde tudo vem e para o qual tudo retorna. Contra isso, não há defesa. Ela permanece quando tudo mais passa. É a fonte de todas as coisas e o fim de tudo. ”(página. 122-123)


Quando jovem, eu não sabia tanto quanto agora sobre o significado dessas palavras. Mas eu sabia o suficiente sobre perder, e a lutar contra o medo de que as palavras de Niebuhr plantassem questões em mim que definiria minha vida. Isto é, o que é a “fé”, ter confiança e confiar neste grande vazio de onde tudo vai e no qual todos retornam. O cristianismo diz sobre a fé vinda através de Jesus Cristo. Cristo, aquele que recebeu a morte e ressuscitou e nasceu para uma nova vida. Da morte, a vida nova veio. No Zen, praticamos a morte e o retorno. Toda expiração é uma morte; cada inspiração, um nascimento. Nos últimos 10 anos desde o primeiro retiro Zen, passei a maior parte das manhãs sentado em minha pequena comunidade zen-budista. Nove anos atrás eu me tornei um membro de ChoBoJi, e fiz votos para me dedicar ao Buda, Dharma e Sangha. Ao longo dos anos, passei por tempos de profundo questionamento, dúvida e luta sobre minhas práticas e identidade de fé dual. Eu me questionei por que eu estava participando de uma prática tão estranha e rigorosa como o Zen, que requer levantar-se muito cedo pela manhã e ficar sentado em posição desconfortável ​​por longos períodos de tempo. É uma prática que eu nunca teria escolhido se dependesse de mim. Eu me perguntava como poderia realmente ser um membro de uma comunidade zen-budista e também pastor cristão. E ao longo dos anos, nas ondas dessas perguntas e dúvidas, veio uma profunda aceitação: não posso imaginar minha vida agora sem a fé discursiva do cristianismo, ou sem o misterioso encontro  no silêncio do Zen. Ambos me alimentam de maneira profunda e importante. Eu vou a ChoBoJi quase todas as manhãs para "sentar, respirar e ouvir", a fim de praticar a presença no pequeno barco rochoso que é a minha própria vida. Eu sento e tudo gira, todas as minhas preocupações, dores, ansiedades e tédios giram. E a maioria das manhãs, nos últimos cinco segundos da sessão, algo acontece. Eu deixo ir. Talvez apenas por um momento, e então eu sou pego. Algo me pega. Parece absurdo colocar palavras nisso. É um sentimento, e mais, um profundo conhecimento de que tudo em mim é capturado por algo muito maior do que eu. Doug está navegando há 40 ou 50 anos. Ele se ofereceu para me levar para velejar na quinta-feira passada. Naquele dia, infelizmente, houve vento. Quando pulei de um lado do barco para o outro, enquanto nos agarrávamos ao vento, Doug ficava perguntando: “Você consegue sentir isso? Você pode sentir isso, Peter? “Sentir o quê, Doug? "Como se estivesse um pouco menos em pânico do que o habitual? perguntou. “Você pode sentir isso?”. “Sim, estou um pouco mais calmo. Sinto-me um pouco melhor do que antes" respondi. Consegui grande consolo de ficar no cais que fiz da minha vida, pensando que a fé e sobre todas as coisas alegres, bem sucedidas e indo muito bem, obrigado. Eu estou consolado de estar bem comigo, no meu pequeno mundo. Mas o chamado da fé é muito mais do que um lugar de segurança. O chamado da fé é arriscar, se aventurar, partir do seu pequeno cais de segurança que você fez da sua vida para o desconhecido. A fé deve ser levada diretamente contra o desconhecido. O que o cristianismo fala em histórias, o Zen me permite pôr em pratica. "Você pode sentir isso?" Doug pergunta. Eu pratico. Na maravilha do barulho, na comunidade cristã, na música e na história de uma fé que fundamentou minha vida. No modo silencioso e contemplativo do Zen. Eu sinto algo profundo e seguro, isso me deixou livre em minha vida para navegar. 


Peter Ilgenfritz é praticante Zen Rinzai, do centro DaiBaiZan ChoBoZenJi  em Seattle. É também pastor da Universidade Congregacional da Igreja de Cristo. Durante a última década, Ilgenfritz navegou por caminhos dessas duas tradições, em um curso único, que ainda está mapeando.


sábado, 8 de junho de 2019

JIM OWENS - BUDISMO NO CINTURÃO DA BÍBLIA

Um cristão evangélico revela como o budismo o ajudou a enfrentar uma crise de consciência e fé.

Eu vivo no centro do cinturão da Bíblia. Quando este artigo for publicado, muitos dos meus familiares e amigos temerão que eu esteja destinado ao inferno. Muitos cristãos, julgam mal o que não entendem. Alguns simplesmente coçam a cabeça quando ouvem falar de um cristão que estuda o budismo,  que medita ou até mesmo que passa por experiências de fé alternativas. Outros cristãos tem dúvidas muito mais resistentes. Eu sei bem, pois houve um tempo em que eu era um desses.

Minha trajetória no budismo se desenvolveu com a prática da meditação, quando um conselheiro matrimonial, cristão, sugeriu que eu lesse os livros de Richard Rohr. Suas obras "Everything Owners" e "Falling Upward" fazem referência ao renomado monge trapista Thomas Merton, cujo envolvimento com o budismo me levou a ler textos de nomes como Thich Nhat Hanh e Dalai Lama. Quanto mais eu lia, mais eu achava que eu tinha pouca compreensão do budismo e de suas muitas escolas. Mas observei  que os ensinamentos das quatro nobres verdades e do caminho óctuplo eram de muitas maneiras - embora nem todas - compatíveis com os ensinamentos de Jesus e a doutrina cristã.

Por exemplo, o ensinamento de Buda sobre a visão correta permite uma compreensão mais profunda da advertência de Jesus de “não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente.” (Romanos 12: 2) e “quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai Filipenses 4:8”. Meus pensamentos se transformaram de tal forma que compreendi as reações negativas de meus colegas como decorrentes de seus próprios apegos e não como esforços determinados a me ferir. Ao conduzir minha mente de maneira hábil, me preparei melhor para evitar erros de julgamento ou me debruçar sobre circunstâncias difíceis que poderiam resultar em sofrimento.

Em minha busca pela atenção plena, encontrei-me dando graças por todas as coisas  num nível muito mais profundo. Tenho gratidão por coisas simples, como por um pedaço de fruta, por caminhar na floresta e suportar as provações da vida. Sim, à medida que me sinto mais atento, sou até grato pelas dificuldades e dores, pois elas me permitem ter maior compaixão por aqueles que passam pelas suas próprias atribulações.

Liberto apegos, enquanto isso, reforço minha convicção de que eu não deveria “guardar para mim tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões invadem e roubam” (Mateus 6:19). A observação bíblica de “não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares (Salmos 46:2). Fui iluminado pelo insight da impermanência, assim como a admoestação para esquecer "quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim ”(Filipenses 3:13). Esforço-me para manter a mente de principiante aberta a fé em Jesus, para além dos preconceitos que tenho desde que a juventude. Finalmente, depois de tantos anos, vejo  o cristianismo genuíno novamente.
Esses ensinamentos percorreram meus pensamentos, durante uma crise familiar e conjugal levou-me a questionar de modo fundamental se minha experiência era, de fato, consistente com o sistema de crenças ao qual aderi por tanto tempo. Ultimamente, o tumulto em minha vida pareceu imune aos meus remédios habituais: a Bíblia, a oração e a comunhão com outros cristãos. Nos meus estudos e meditações, comecei a ver o quanto da minha vida era o resultado de viver de acordo com as expectativas dos outros, o pouco que eu perdoava e quanto, mesmo como cristão, estava propenso a um julgamento ríspido entre eu e os demais, embora não aparente.

Mas, como observei essa tendência em mim, meu questionamento aumentou e inclui não apenas meus hábitos, mas minha fé. Recentemente, confessei a minha esposa e filhos, e me perguntei sobre a existência de Deus. Com certeza, essas preocupações eram, e permanecem desconcertantes para aqueles que me conhecem como ancião na igreja, um professor da escola dominical e um apologista da Bíblia e do cristianismo. Eles estavam e ainda estão consternados. Eu posso ver sua dor, sua preocupação e seu sofrimento, assim como eu me tornei profundamente consciente da minha.

Enquanto escrevo estas palavras, estou sentado no quarto de um apartamento, me separei de minha esposa há oito semanas, fomos casados por 31 anos. Nos círculos cristãos, pelo menos naquele em que tenho amigos e em cuja tradição criei meus filhos, tal decisão é considerada covarde, egoísta e pecaminosa. Eu tenho, em resumo, falhado no que é para muitos o teste decisivo da masculinidade cristã.

Mas, em meio a esse caos, retornei à minha fé, embora diferente como era. Ainda que o budismo não reconheça um Deus criador, sou consolado pelas palavras de encorajamento do Dalai Lama aos cristãos, que permite que o budismo os torne melhores praticantes na sua fé. Para muitos cristãos, esse chamado significaria voltar para minha esposa. Mas, na sabedoria reflexiva do budismo, tenho visto mais claramente a mensagem do perdão de Cristo.

Embora a minha luta com o divórcio não tenha finalizado, vejo claramente a dor e o sofrimento dos outros quando eles reagem a mim com raiva, embora reconheçam que não sou obrigado a julgá-los assim como me julgam. Lembro-me das palavras do apóstolo Paulo: “nem eu mesmo me julgo”. Estas são palavras curativas de um homem que se considerou “o principal entre os pecadores” e que, de acordo com a Bíblia, presidia o apedrejamento de Estêvão, discípulo de Cristo, antes da conversão de Paulo de sua fé judaica.

Fique tranqüilo, minhas palavras não são uma tentativa de reconciliar o budismo com o cristianismo. De própria experiência, acho difícil conciliar algumas das minhas escolhas  com algumas convicções sobre o caminho. Eu sou imperfeito. No entanto, no silêncio da meditação, encontro o que os budistas chamam de compaixão de Avalokiteshvara e os cristãos de “a paz de Cristo”. Vejo a luta sob uma nova luz quando percebo em minha própria vocação religiosa  e no meu casamento o apego à permanência , o quanto  causou dor a mim e aos outros. Da mesma forma, vejo como minha falta de compaixão me colocou num trono de julgamento. Ao buscar a graça da família e dos amigos, anseio por conceder-lhes reciprocamente graça em suas dores, falhas e medo.

Eu não acho mais necessário acreditar que a Bíblia é literalmente verdadeira. Sua verdade é suficiente, embora eu muitas vezes lute para entender isso. Eu me atento a mensagem de Jesus - amar meu próximo como a mim mesmo - com mais clareza, e oro para que eu me torne mais parecido com ele todos os dias. Mas vejo as contradições do meu comportamento e de minhas crenças, assim como Paulo escreveu em Romanos 7:15 quando admitiu: “o que estou fazendo não entendo; pois não estou praticando o que gostaria de fazer. E enquanto me sento em meditação, para acalmar as tempestades da minha mente, aguento duro e encontro sua presença ali para me consolar enquanto recebo amor de alguns amigos cristãos.

Ao ler isto, muitos cristãos sugeriram que eu tirei as palavras da Bíblia de contexto, que distorci as palavras de Jesus, Paulo e outros evangelistas. Talvez eles estejam corretos.  No entanto, me lembro das palavras do discípulo Pedro, um dos círculos mais íntimos de Jesus, a pedra angular da igreja de Jesus, em sua apresentação de Cristo: ”Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça.(1 Pedro 2:23). Eu rezo para que tenha a resposta igual para aqueles que me insultam.

Embora eu ainda tenha que reconciliar inteiramente minha fé com minha nova perspectiva budista e a prática de meditação, desejo viver como Jesus o fez em compreensão e compaixão, consolando aqueles que sofrem. Eu farei isto em oração, estudando e me sentando.

Por Jim Owens DEZEMRO 04, 2017