quarta-feira, 28 de abril de 2021

PE. BERNARD RÉROLLE - EQUILÍBRIO, MOMENTO DE GRAÇA

Quem fala equilíbrio, fala de homem vivo, fala movimento, gestos, atitudes. As grandes tradições espirituais há muito sabem que nossos gestos e atitudes constituem um espelho, o espelho mais verdadeiro de nossos estados internos, conscientes e inconscientes. E eles os usam como instrumentos para adquirir sabedoria. O saldo nunca é dado de imediato. Todos os que praticam ioga, artes marciais, cerimônia do chá e tantas outras disciplinas psico corporais sabem o que é repetir o mesmo gesto mil vezes: a aprendizagem parece desesperadamente longa, o progresso é pouco. Perceptível, quando não é muitas vezes a impressão de regredir! E então, um dia, percebemos que ao permanecer na configuração externa do gesto, estamos olhando para o lado errado. Porque durante todo o tempo de aprendizagem, é o nosso ser interior que evolui. E é porque esse ser interior evoluiu que nosso gesto por sua vez acaba evoluindo. A progressão acaba se registrando de forma visível em nossos eventos. Essa variação também pode ir em ambas as direções, porque o infortúnio quer que sejamos tão capazes de regredir como de progredir e que a desorganização do nosso ser interior, sempre possível, envolve a desorganização dos nossos gestos, mesmo que tenham se tornado muito hábeis. O gesto do chá, o da dança, etc, são efémeros por natureza. Você tem que estar na hora certa para recebê-los, assim como você tem que estar na hora certa para realizá-los. A graça nem sempre está lá! Cada gesto, por mais aplicado, pode trazer um elemento de surpresa, para o bem ou para o mal. Para o bem é espanto, para o mal é irritação! Durante nossas práticas de ioga, vivemos alguns  momentos estrelados como Dürckheim os chamava. Durante os nossos exercícios de caligrafia, vimos nascer sob o nosso pincel alguns magníficos caracteres chineses, alguns magníficos bambus… tantos pequenos presentes que nos consolaram de tantos contratempos. Nosso cotidiano também é marcado por alguns encontros bem-sucedidos, alguns momentos de contemplação afetados por um coeficiente de plenitude. É como se, recompensando os nossos esforços em momentos inesperados, estes pequenos presentes nos fossem dados para encorajar a nossa perseverança "no caminho". Provavelmente não eram espetaculares. Eram dons muito subjetivos, muito pessoais: é quase impossível comunicá-los, compartilhá-los com quem está ao nosso redor. E, no entanto, eles enraízam em nós a sensação de que estamos nos movendo na direção certa. Ainda que frágil, é a esse sentimento de certeza que gostaria de dar o nome de equilíbrio. Dürckheim deu o nome de "vozinha" a essa realidade tênue e fugaz.


Pe. Bernard Rérolle, foi um padre marista, diretor do Centro Internacional de Sainte-Baume. Publicou os livros Centurion: Le Japon du silence et la contemplation du Christ et Dynamique des Béatitudes. Também foi professor de filosofia e professor de ioga. Em um momento decisivo de sua vida, deixou de lecionar filosofia e foi para Rütte (na Floresta Negra) para seguir os ensinamentos de Dürckheim (no Centro de Terapia Iniciática). Foi discípulo do mestre Zen Hozumi Roshi da Escola Rinzai de Kyoto.


domingo, 11 de abril de 2021

IR. ROSE PUDUKADAN - ORAÇÃO DE JESUS

                                      

Frutos do Processo e Espirituais

A herança espiritual da Oração de Jesus começou com os Padres do Deserto no Egito por volta do quarto século. Para permanecer e viver na consciência constante da presença de Deus, na experiência do seu amor e paz e também para enfrentar as lutas da vida austera no deserto, eles acharam a repetição devocional do nome de Jesus muito poderosa e ajuda eficaz. Os mestres espirituais afirmam que na invocação do nome de Jesus a atenção não se dirige à pessoa histórica de Jesus, que viveu há 2.000 anos, mas ao Cristo do momento presente, o Cristo ressuscitado, que vive em nós aqui e agora. A repetição vocal do nome é apenas uma preparação para a consciência da presença divina interior. A concentração na presença interior é o cerne da Oração de Jesus. A essência da Oração de Jesus é a consciência da presença interior. Por isso é chamada de oração espiritual interna. A repetição mecânica do nome sem consciência interior não tem valor, não tem valor. É como tentar acender a madeira sem fogo.

Para permanecer na consciência da presença interior de Cristo, a sobriedade espiritual é fundamental para a prática da Oração de Jesus. Sobriedade (nipsis) significa vigilância, atenção, guarda vigilante do coração de tudo que não é de Deus. Gregório do Sinai disse: “Não deixe o coração se apegar a nada, exceto a Deus”. Vigilância significa estar presente no momento presente.

Os Padres do Deserto usaram a forma monologia da Oração de Jesus. Apenas o nome Jesus estava sendo repetido. Mais tarde surgiram fórmulas como, Senhor Jesus, tenha misericórdia de mim, Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha misericórdia de mim pecador. Os mestres espirituais insistem que nosso coração deve ressoar com a fórmula que escolhemos e o nome Jesus deve ser incluído nela. O nome divino evoca vibrações no reino interno e leva a uma profunda experiência de unidade. No estágio inicial, quando escolhemos uma fórmula, não devemos alterá-la com frequência. A invocação da mesma fórmula por um período de tempo permitirá que ela crie raízes no coração. E então se tornará uma fortaleza em tempos de necessidade ou lutas, uma companhia constante.   

Existem três fases na prática da Oração de Jesus:

Primeira fase:  Em uma atmosfera de paz e serenidade, invoca-se o nome divino concentrando-se na presença interior do Senhor. Com a repetição rítmica do nome divino, a mente fica calma, quieta e serena. Então, os elementos negativos da psique, do nível subconsciente, podem vir à tona, dando a sensação de tédio, secura e frustração, e a sensação de que não se está ganhando nada. Somos conduzidos por um deserto de secura interior, que é um processo de purificação da psique. Temos que passar por essa purificação da psique apegada ao nome divino. Gradualmente, a mente se torna serena e focada no divino Mestre interior. 

Segunda Fase: A Oração de Jesus fica mais interiorizada. Após a fase inicial de repetição constante, chega-se espontaneamente a uma fase em que a repetição pára. Sente-se que o nome se repete internamente. Ouvimos o nome divino sendo repetido internamente. O nome está sendo lembrado. Os pensamentos e as imagens que distraem diminuem e desaparecem gradualmente. Apenas o nome de Jesus permanece. A oração de Jesus deixa de ser o resultado do próprio esforço e passa a ser a oração auto-atuante : a oração de Cristo em mim. Fica enraizado no coração . Experimenta-se quietude, paz e alegria. Isso também é chamado de oração de atenção amorosa , ou oração de olhar simples, onde a alma repousa em Deus.      

Terceira fase : O nome divino penetra nas profundezas do coração. A mente mergulha em profundo silêncio divino. Apenas uma sensação da presença divina é experimentada. A alma fica silenciosa, serena e receptiva. O Espírito Santo toma posse da alma humana. Minha alma e o Espírito divino se fundem em um. Esta é a profunda experiência da união mística. A alma humana está sendo carregada com energias divinas. Essa é a experiência de Hesychia. Encontramo-nos na Caverna do Coração, o santuário mais íntimo, o santuário interior, o castelo interior, a sala interior onde habita o Divino. Esta é Hesychia. Esta é uma intensa experiência da graça divina. Tudo o que podemos fazer é nos abrir para a presença divina por meio da Oração de Jesus. A experiência genuína de Deus é, em última análise, um dom da graça. 

Os frutos da oração de Jesus:

A transformação que pode ocorrer ao orar o nome de Jesus

1. Experiência de Cristo em nós . Na prática da Oração de Jesus, a atenção é direcionada para a presença de Jesus Cristo dentro de mim no momento presente. Cristo dentro de mim é experimentado como a Base do meu ser, a Fonte do meu ser, a fonte da minha força, luz interior e convicções.

2. Consciência de Cristo : O fruto básico da Oração de Jesus é a participação na autoconsciência mística, a consciência divina de Jesus. Jesus experimentou o Pai como fonte de seu ser, sujeito de seu ser e missão. Jesus foi a manifestação do Divino. Por meio da Oração de Jesus, chegamos à experiência de que nossa vida flui de Cristo que mora dentro de nós. Nossa vida se torna uma manifestação de Cristo em nós, o sujeito, o verdadeiro eu de nosso ser. Nossa vida se desenvolve a partir do impulso divino, inspiração e iluminação que recebemos de Cristo dentro de nós. A compaixão e o amor de Cristo são expressos por meio de nossa vida, por meio de nossas palavras e ações. 

3. Uma profunda confiança em Deus: a vida se desenvolve a partir de Cristo. Isso dá uma tremenda confiança e alegria na vida e liberdade do medo.  

4. Experiência da habitação do Espírito : O Espírito de Cristo transforma nossa vida em vida divina. Assim como a seiva vital da árvore flui constantemente para os galhos, o Espírito divino flui para o nosso ser por meio da Oração do Nome de Jesus. Ouvimos o Espírito divino repetindo o nome de dentro de nosso coração. O Sprit ora de nossos corações de uma forma que não pode ser expressa em palavras. (Rom 8, 26) O Deus a quem oramos é o Deus que ora de dentro de nós.  

5. Prontidão para o Reino de Deus : Reino de Deus significa que Deus está trabalhando neste mundo transformando tudo em uma nova criação. Por meio da Oração de Jesus ficamos atentos à graça e às exigências do Reino de Deus. Nossa vida é então moldada pelos valores do Reino de Deus como amor e compaixão, liberdade e justiça, preocupação com os pobres e com o meio ambiente. Nós nos tornamos cada vez mais liberados do egocentrismo e crescemos no processo do Reino de Deus. 

6. Vivendo no Presente : Enquanto praticamos a Oração de Jesus através da sobriedade, a guarda do coração, estamos conscientemente presentes no momento presente. Despertar para a profundidade divina do momento presente é uma graça.  

7. Libertação da Solidão: A oração de Jesus nos dá uma sensação permanente da presença de Cristo em nós. Esta é a participação na consciência de Cristo: eu não estou sozinho, o Pai está comigo. Por meio da invocação do nome de Jesus, crescemos na consciência de que não estamos sós, mas sempre somos guiados pelo Espírito de Cristo, somos amados pelo Pai divino.  

8. Despertar para a Presença de Cristo no Universo:   Na Oração de Jesus, acordamos para a presença de Cristo na caverna do nosso coração. Percebemos que a mesma presença de Cristo está brilhando em todos os seres da criação. As criaturas são então vistas como manifestações do Criador (Teofania). Esta é a experiência da presença de Cristo preenchendo todo o universo (Cristofania). Na presença do Cristo que habita em nós, olhamos para os humanos e as coisas da natureza de uma nova maneira. O universo se torna o sacramento da presença de Deus. 

9. Respeito por outras religiões : O Espírito de Deus atua no coração dos outros de diversas maneiras. Conseqüentemente, os seguidores de outras religiões chegam à realização de Deus por meio de seus próprios símbolos e nomes do Divino. A prática da Oração de Jesus abre nossa mente para as diversas formas do Espírito divino em outras religiões. Portanto, passamos a respeitar e reconhecer as experiências autênticas de Deus na vida dos crentes de outras religiões.  

10. Ver Cristo no homem sofredor :   Por meio da Oração de Jesus, somos sensibilizados para perceber Cristo nos pobres e enfermos, nos sofredores e marginalizados. Tornamo-nos mais compassivos; compaixão é fruto da contemplação. 

11. Uma visão mais profunda da Sagrada Escritura : Por meio da prática da Oração de Jesus, a faculdade de visão é sintonizada com a sabedoria divina. Com isso, podemos reler e interpretar a Sagrada Escritura com um olhar intuitivo, iluminado pelo Espírito. Assim, descobrimos os níveis mais profundos da Palavra de Deus vibrando nas palavras da Escritura.  

12. Purificação Interior : Quando invocamos o nome de Jesus com um coração humilde e contrito, uma purificação ocorre em nós. Como um ímã traz as partículas de ferro em uma ordem definida, a Oração de Jesus harmonizou os diversos elementos da mente e da psique e os purificou. A oração de Jesus nos permite entender a nós mesmos mais profundamente e nos livrar dos elementos negativos pelo poder do nome divino.  

13. Controle da mente : a oração de Jesus torna a mente errante ancorada na presença divina. Pensamentos perturbadores e sentimentos perturbadores são controlados. Experimenta-se felicidade genuína e paz interior. O coração se enche de amor divino.  

A oração de Jesus aprofunda nossa vida espiritual e transforma nossa vida ativa. São João Clímax diz: “Deus aparece para a mente no coração, primeiro como uma chama que purifica seu amante, e depois como uma luz que ilumina a mente e a torna semelhante a Deus”. (A escada) O Papa João Paulo II elogiou a oração de Jesus como " o sopro da alma ". Ele disse: “Embora seja basicamente uma forma de oração pessoal, tem uma dimensão comunitária. Liga os corações de todos os que praticam esta oração em um vínculo divino diante do Senhor. ” (LÓsservatore Romano, Nr. 46, 1996, p. 8)

Irmã Rose Pudukadan, é uma freira e enfermeira indiana, trabalhou por muitos anos entre os pobres em vários hospitais. Desde 1990 ela vive em seu ashram cristão em Kerala, sul da Índia, e se dedica ao estudo e prática da oração do coração. Ela regularmente dá cursos sobre oração e canto de mantras em países na Alemanha. Ela foi inspirada e iniciada por pe. Bede Griffiths em 1976. O canto do nome de Jesus com melodias indianas nas sandhyas da manhã e da noite em Shantivanam a impressionou profundamente. Mais tarde, ela adotou o estilo de vida do ashram e buscou o estudo e a prática da Oração de Jesus (Oração do Coração) intensamente. Nos últimos anos, iniciou buscadores espirituais a esta forma de oração contemplativa em várias partes da Índia, em alguns países do Leste Asiático e também na Europa.


PE. JAVIER MELLONI SJ