domingo, 30 de abril de 2017

PATRICK EASTMAN KUNDO - QUARTA-FEIRA DE CINZAS DE 2010





Hoje nas Igrejas Católicas em todo o mundo e em muitas Igrejas Anglicanas as pessoas serão chamadas pelas palavras "Lembre-se que és pó e ao pó voltará". Parece uma maneira muito desanimadora de iniciar a Quaresma; muitos pode se sentir para baixo, com falta de dignidade e valor. Mas isso não é o caso. É apenas uma observação de nossa finitude. A morte é algo que todos nós temos que enfrentar, pois é parte de todo o mistério da vida. Para os cristãos, é uma advertência de que nós devemos participar do mistério pascal, que inclui a vida, a morte e ressurreição. Não apenas como uma coisa prometida, mas algo que passamos no dia a dia. Nos locais de tradição budista, ouve-se à noite as seguintes “gathas” (versos de moppan)

"Deixe-me respeitosamente lembrar que vida
morte é de suprema importância
Tempo rapidamente se vai e oportunidade se perde
Cada um de nós deve se esforçar para despertar ..."

Mais uma vez somos desafiados a encarar os fatos. Os psicólogos dizem que todos nós temos um medo contido de desvanecer, precisamos eliminar os efeitos tóxicos que esse medo se dá em nossas vidas. Temos que enfrentar este mistério, que a impermanência está inserida. Isso só é um fato. Quando usamos o tempo  com silêncio entramos em contato com camadas mais profundas de nossa consciência, experimentamos a plenitude verdadeira.


Patrick Eastman Kundo, é um sacerdote católico ordenado pelo Pe. Robert Jinsen Kennedy. É fundador e orientador do ”Wild Goose Zen Sangha” na região Cotswold no Reino Unido. Treinou também com Ruben Habito Roshi, John Daido Loori Roshi e Maezumi Roshi. http://wildgoosesangha.org.uk/

THOMAS HAND SJ - UMA REVELAÇÃO


Eu estava de pé na plataforma da velha estação de madeira do distrito de Taura em Yokosuka à espera do costumeiro trem azul da linha Yokosuka, lendo um pequeno livro do teólogo Karl Rahner intitulado “Natureza e Graça”. Mais de 40 anos depois, hoje ao ler este livro novamente, Rahner argumenta contra a "visão generalizada da graça" como "o sobrenatural acima da vida espiritual e moral do homem" . Ele diz que não é surpreendente "quando um homem desinteressado nesta superestrutura incompreensível do ser, esta dádiva se faz presente no preparo da manifestação da própria consciência”. Ele sustenta que os movimentos de graça são uma parte autêntica da existência desperta; Que esses "fatos existenciais" naturais não são apenas irregularidades do ser além da mente, mas se tornam palpáveis na prática da busca de si mesmo. Mesmo agora, depois de todos esses anos, ainda me lembro do impacto que essas palavras tiveram sobre mim na plataforma daquela estação. Dizer que podemos e devemos estar conscientes da graça em nossa vida diária abriu um novo plano existencial para mim.  Rahner falava sobre a experiência direta. "autoconsciência imediata”. Refleti a minha vida toda sobre essas coisas. Especialmente durante os três anos de formação filosófica e quatro anos de formação teológica, estudei e aprendi tudo sobre a graça. Contudo, as realidades tratadas em todos esses estudos permaneceram apenas no plano das ideias. Acima de tudo, a graça sobrenatural, essencial como se julgava, sempre fôra superior a qualquer experiência direta. Alguns anos depois da minha leitura de Rahner, Thomas Merton falou em Anchorage quando deixou os EUA pela última vez, ele disse brevemente que a Igreja nos EUA é demasiado cerebral. Bem, a este respeito, fui certamente um produto do meu tempo. Por muitos anos vivi de forma intelectual e cerebral. Abordava a vida de forma analítica, padronizada. Nenhuma dessas operações mentais levam a experiência direta, que é o único meio de transformação.
 
tradução livre do trecho do livro Handokai – O caminho Zen-Cristão (seleção de escritos e palestras de Thomas G. Hand)

 Pe. Thomas Hand, foi um teólogo jesuíta que viveu por quase 30 anos no Japão, onde estudou o Zen-Budismo sob orientação de Yamada Koun Roshi e Yasutani Roshi. É professor do Mercy Center em Burlingame, Califórnia, espaço onde os praticantes são orientados na prática inter-confessional cristã-budista.

 http://mercy-center.org/

sábado, 29 de abril de 2017

THOMAS HAND SJ - SER INFINITO, SER INCRÍVEL





O Zazen começa com a chamada "Raiz da Grande Fé". "Daishinkon" em japonês. (Dai "grande", shin "fé, confiar", kon "raiz") Em que temos fé? Aceitamos a realidade e simplesmente confiamos nela? No Zen, aceitamos a realidade da natureza-buda (buddhata) (natureza de Cristo para os cristãos) e no conceito de que tudo possui natureza-buda. Essa é a fé fundamental, e se você confia, isso se manifesta. Você não é simplesmente essa natureza, mas deve experimentá-la conscientemente, despertá-la.  Em japonês, essa natureza-buda é chamada "kû”. Em sânscrito é chamada de "sunyatâ". Ambas as palavras, em certo sentido, significam "vazio". No entanto “ku” não é um simples vazio. É o que é vivo, ativo, desprovido de tamanho-profundidade, além de individualidade ou personalidade e de causalidade.Todos os fenômenos surgem deste vazio, que só é vazio do ponto de vista discriminativo. Está vazio de todas as separações. “Vazio” no sentido de extinção. No sentido de não termos uma personalidade fixa, de todos os fenômenos brotarem deste vazio. O significado de “ku” como vazio nega qualquer identificação com a personalidade.Shin ku nyo yu”, essa frase Zen tem um bonito significado. O vazio verdadeiro é magnífico, indescritível. É esta experiência elementar da felicidade verdadeira, que é a perfeita união. Esta é a realidade última, o ensinamento primordial. Este “sem forma” está aquiagora e pode ser experimentado. Eu posso experimentá-lo. Isso é o que Jesus quis dizer: "Eu voltarei ao Pai". O “Pai” é este vazio, a fonte sem forma. Como conhecemos nossa própria natureza sem forma? É apenas por meio da iluminação, lucidez e clareza. Não se realiza através de palavras, ou falando. Assim ninguém se ilumina, mas sim através da intuição, da percepção direta. O oposto disso é o pensamento conceitual. É como olhar para um mapa. Você não vai ter a experiência do lugar olhando para o mapa. Só apenas quando você for para a cidade e ter essa experiência. Isso é percepção direta. Conceitos, imagens, memórias. Todas essas coisas não são percepção direta e isso nunca satisfará nossa fome por descobrir nossa verdadeira natureza, que só pode ser vivida através do contato direto. Meu corpo é um fantasma, como bolhas num rio. Minha mente, em si mesma, é tão sem forma quanto o espaço infinito, mas em algum lugar por dentro ruídos são percebidos. Quem está ouvindo? Se você se questiona neste sentido com profunda concentração, sem enfraquecer a intensidade do esforço, sua mente racional acabará se cansando e apenas o questionamento mais profundo se manterá. Finalmente você abandona corpo e mente. Suas velhas concepções e achismos se anulam, em seguida surgem questões mais elevadas, do tipo “como cada gota d´água desaparece no fundo do copo”, lampejos seguirão como flores que desabrocham inesperadamente em árvores mortas. De fato, com tal prática você consegue se libertar. Sua essência, então, que brilha se intensificará à medida que as sensações ilusórias vão indo embora, como uma joia que cintila sob o polimento, até que finalmente reluz em todo o universo. Não duvide disso! Bassui, citado em Kapleau, Os Pilares do Zen, p. 171.

 tradução livre do trecho do livro Handokai – O caminho Zen-Cristão (seleção de escritos e palestras de Thomas G. Hand)

 Pe. Thomas Hand, foi um teólogo jesuíta que viveu por quase 30 anos no Japão, onde estudou o Zen-Budismo sob orientação de Yamada Koun Roshi e Yasutani Roshi. É professor do Mercy Center em Burlingame, Califórnia, espaço onde os praticantes são orientados na prática inter-confessional cristã-budista.

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sexta-feira, 28 de abril de 2017

THOMAS HAND SJ - A TRADIÇÃO ZEN


No Zen Budismo, entre as escolas, existe basicamente duas explicações sobre iluminação: a escola da iluminação súbita e da iluminação gradual. Em geral, a Soto Zen favorece a gradual, a Rinzai a súbita. A Escola Sambo Kyodan, que tem raízes nas práticas Soto e Rinzai, parece favorecer a súbita, mas também reconhece a gradual. A iluminação súbita é geralmente precedida por um acúmulo de tensão que ocorre dentro de um sistema que leva claramente o praticante a uma nova condição de consciência. A mente do praticante é apreendida pela busca intensa do koan sugerido pelo mestre. Enfim, há uma forte descoberta seguida de um período prolongado de clareza psicológica e modificações nos padrões comportamentais. Jinul, um mestre Zen coreano do século XII, diz a respeito de um praticante que experimentou o despertar súbito e o processo de cultivo gradual: "Ele procura Buda fora da sua mente. Está vagando sem rumo, a entrada da estrada pode ser apontada por acaso por um sábio mentor. Se num pensamento, ele direciona a luz da sua mente em direção da sua fonte, ele verá sua própria natureza original, vai descobrir que o terreno de sua natureza está inato, livre de impurezas e que ele mesmo é originalmente dotado da natureza de sabedoria, que não é diferente da largura de um fio de cabelo de um Buda, e por isso é chamado de despertar repentino. Vamos considerar o processo gradual. Embora tenhamos despertado para o fato de que nossa natureza original não é diferente daquela dos Budas, as energias estáticas são extremamente difíceis de remover rapidamente e assim devemos manter a prática, enquanto confiamos no despertar. Através desse processo gradual, nossos esforços chegam à um resultado. Constantemente o embrião é nutrido, e depois de um longo período nos tornarmos seres realizados. Por isso, é chamado de "processo gradual" (Escrituras Budistas, editado por Donald Lopez.) No caminho gradual para a iluminação não há tantos fogos de artifício e o caminho não é tão distante assim também. Existe tão-somente um desenvolvimento firme, que aumenta de modo sutil os insights e as conexões. Falo muitas vezes do caminho gradual como aquele do lugar comum kenshô (experiência de iluminação). Ao longo prazo ocorre transformações sutis em nossas vidas. Às vezes, dificilmente percebemos, mas são crescimentos reais. Acontece grandes progressos contínuos dentro de nós em níveis não-conscientes.  Eu costumo pedir aos alunos para não se enganarem. Todos são iluminados em determinado grau, e que o fenômeno “kenshô” é realmente muito comum. O importante é se manter fiel à prática. O Zen é inteiramente eficaz em diminuir as funções do intelecto grosseiro. Juízos e conceitos são suprimidos, porque eles não estão "abertos" e estão sempre pelo menos um passo distante da experiência direta. Eles categorizam, colocam as coisas em caixas, enquanto que o que estamos procurando não tem fronteiras e não pode ser encaixotado. Embora os professores Zen, espontaneamente, usam a mente comum e a linguagem simples na experiência de comunicação e na instrução prática, no entanto, eles são inteiramente sinceros quando descrevem as quatro frases que se ouve dizer sobre o que é o Zen:  transmissão fora das escrituras (kyo-ge-betsu-den) não dependente de palavras (fu-ryu-mon-ji) plena atenção à natureza buda (jiki-shi-nin-shin) (ken-shô-jo-butsu) 

tradução livre do trecho do livro Handokai – O caminho Zen-Cristão (seleção de escritos e palestras de Thomas G. Hand)

Pe. Thomas Hand, foi um teólogo jesuíta que viveu por quase 30 anos no Japão, onde estudou o Zen-Budismo sob orientação de Yamada Koun Roshi e Yasutani Roshi. É professor do Mercy Center em Burlingame, Califórnia, espaço onde os praticantes são orientados na prática inter-confessional cristã-budista.

THOMAS HAND SJ - ENTRANDO NO CORAÇÃO ATRAVÉS DO ZEN



"Nossos corações são feitos para ti, ó Deus, e eles ficarão inquietos até que descansem em ti"
Santo Agostinho 

Zazen é uma prática de unidade. Nós aquietamos o corpo de modo que  possamos permitir que a mente e o coração siga seu curso natural à fonte. Este é o "coração" que Santo Agostinho nos fala nestas famosas linhas. Este "coração" não é o órgão físico ou a sede das emoções. É o poder pelo qual podemos experimentar o infinito. 
Talvez nenhuma palavra nos escritos budistas seja mais importante do que "shin" (hsin em chinês). Este ideograma sino-japonês é constantemente traduzido como "mente". Acho que isso é um erro muito sério, como para a maioria dos ocidentais, a "mente" tem a ver com o nosso intelecto ordinário, nossos pensamentos. O significado básico do ideograma "shin" é, em certo sentido, o coração físico, o centro emocional, toda a psicologia de uma pessoa e, finalmente, o núcleo ou a essência interior. Todos esses significados podem ser encontrados em textos budistas, mas o último é mais comum. Embora por muitos anos o “shin” fosse traduzido geralmente como a "mente", qualquer um que sabe chinês ou japonês sabe que este é demasiadamente limitado.  
Ultimamente muitos traduzem isso como "coração/mente" ou mesmo como "psiquê". É uma palavra extremamente abrangente, esse é o ponto. Além de significar o coração físico e o vazio "coração de uma pessoa", ele também se refere a todas as faculdades e atividades internas dos seres, tais como intuição, conceituação, raciocínio, desejos, imaginação e emoções. A palavra "núcleo", "essência" e até mesmo "alma", se você assim quiser, estão muito mais perto do verdadeiro significado. É o significado da essência dos pinheiros e dos cedros que a monja budista Ryō-Nen nos pede para escutar em seu famoso poema: 

Sessenta e seis vezes os olhos viram
as cenas do outono.
Já falei o suficiente sobre o luar.
Não me pergunte mais.
Apenas escute a voz dos pinheiros e dos cedros, quando nenhum vento se agita.



Ryōnen
了然尼 (pequena biografia)

A monja budista conhecida como Ry
ōnen nasceu em 1797. Ela era neta do famoso guerreiro japonês Shingen. Sua genialidade poética e beleza sedutora eram tais que, aos dezessete anos, ela estava servindo a imperatriz como uma das damas da corte. Mesmo em uma idade tão jovem, a fama a aguardava. 
A amada imperatriz morreu repentinamente e os sonhos esperançosos de Ryōnen desapareceram. Tornou-se agudamente consciente da impermanência da vida neste mundo. Foi então que desejou estudar o Zen. Entretanto, seus parentes discordaram e praticamente forçaram a se casar. Com a promessa de que ela poderia se tornar uma monja depois que ela teve três filhos, Ryōnen concordou. Antes de completar vinte e cinco anos, tinha conseguido essa condição. Então, seu marido e seus parentes já não podiam dissuadi-la de seu desejo. Ela raspou a cabeça, tomou o nome de Ryōnen, o que significa "percepção clara", e começou sua peregrinação. Ela foi para a cidade de Edo e pediu a Tetsugyu que a aceitasse como discípula. De uma só vez, o mestre a rejeitou porque era muito bonita. Ryōnen então foi para outro mestre, Hakuo. Hakuo a recusou pela mesma razão, dizendo que sua beleza só traria problemas. Ryōnen pegou um ferro quente e colocou-o contra o rosto. Em poucos momentos, sua beleza havia desaparecido para sempre. Hakuo então a aceitou como discípula. 


                                           caligrafia de Ryō-nen

tradução livre do trecho do livro Handokai – O caminho Zen-Cristão (seleção de escritos e palestras de Thomas G. Hand)

Pe. Thomas Hand, foi um teólogo jesuíta que viveu por quase 30 anos no Japão, onde estudou o Zen-Budismo sob orientação de Yamada Koun Roshi e Yasutani Roshi. É professor do Mercy Center em Burlingame, Califórnia, espaço onde os praticantes são orientados na prática inter-confessional cristã-budista.