"Nossos corações são feitos para ti, ó Deus, e eles ficarão inquietos até que descansem em ti"
Santo Agostinho
Zazen é uma prática de unidade. Nós aquietamos o corpo de modo que possamos permitir que a mente e o coração siga seu curso natural à fonte. Este é o "coração" que Santo Agostinho nos fala nestas famosas linhas. Este "coração" não é o órgão físico ou a sede das emoções. É o poder pelo qual podemos experimentar o infinito. Talvez nenhuma palavra nos escritos budistas seja mais importante do que "shin" (hsin em chinês). Este ideograma sino-japonês é constantemente traduzido como "mente". Acho que isso é um erro muito sério, como para a maioria dos ocidentais, a "mente" tem a ver com o nosso intelecto ordinário, nossos pensamentos. O significado básico do ideograma "shin" é, em certo sentido, o coração físico, o centro emocional, toda a psicologia de uma pessoa e, finalmente, o núcleo ou a essência interior. Todos esses significados podem ser encontrados em textos budistas, mas o último é mais comum. Embora por muitos anos o “shin” fosse traduzido geralmente como a "mente", qualquer um que sabe chinês ou japonês sabe que este é demasiadamente limitado. Ultimamente muitos traduzem isso como "coração/mente" ou mesmo como "psiquê". É uma palavra extremamente abrangente, esse é o ponto. Além de significar o coração físico e o vazio "coração de uma pessoa", ele também se refere a todas as faculdades e atividades internas dos seres, tais como intuição, conceituação, raciocínio, desejos, imaginação e emoções. A palavra "núcleo", "essência" e até mesmo "alma", se você assim quiser, estão muito mais perto do verdadeiro significado. É o significado da essência dos pinheiros e dos cedros que a monja budista Ryō-Nen nos pede para escutar em seu famoso poema:
Sessenta e seis vezes os olhos viram
as cenas do outono.
Já falei o suficiente sobre o luar.
Não me pergunte mais.
Apenas escute a voz dos pinheiros e dos cedros, quando nenhum vento se agita.
Ryōnen 了然尼 (pequena biografia)
A monja budista conhecida como Ryōnen nasceu em 1797. Ela era neta do famoso guerreiro japonês Shingen. Sua genialidade poética e beleza sedutora eram tais que, aos dezessete anos, ela estava servindo a imperatriz como uma das damas da corte. Mesmo em uma idade tão jovem, a fama a aguardava. A amada imperatriz morreu repentinamente e os sonhos esperançosos de Ryōnen desapareceram. Tornou-se agudamente consciente da impermanência da vida neste mundo. Foi então que desejou estudar o Zen. Entretanto, seus parentes discordaram e praticamente forçaram a se casar. Com a promessa de que ela poderia se tornar uma monja depois que ela teve três filhos, Ryōnen concordou. Antes de completar vinte e cinco anos, tinha conseguido essa condição. Então, seu marido e seus parentes já não podiam dissuadi-la de seu desejo. Ela raspou a cabeça, tomou o nome de Ryōnen, o que significa "percepção clara", e começou sua peregrinação. Ela foi para a cidade de Edo e pediu a Tetsugyu que a aceitasse como discípula. De uma só vez, o mestre a rejeitou porque era muito bonita. Ryōnen então foi para outro mestre, Hakuo. Hakuo a recusou pela mesma razão, dizendo que sua beleza só traria problemas. Ryōnen pegou um ferro quente e colocou-o contra o rosto. Em poucos momentos, sua beleza havia desaparecido para sempre. Hakuo então a aceitou como discípula.
caligrafia de Ryō-nen
tradução livre do trecho do livro Handokai – O caminho Zen-Cristão (seleção de escritos e palestras de Thomas G. Hand)
Pe. Thomas Hand, foi um teólogo jesuíta que viveu por quase 30 anos no Japão, onde estudou o Zen-Budismo sob orientação de Yamada Koun Roshi e Yasutani Roshi. É professor do Mercy Center em Burlingame, Califórnia, espaço onde os praticantes são orientados na prática inter-confessional cristã-budista.