terça-feira, 26 de dezembro de 2023

JAMES ISHMAEL FORD - O QUE OS BUDISTAS FAZEM NO NATAL?




Celebramos sim! Sim, fazemos isso. Eu sou budista e conheço muitos outros budistas que também o fazem. A época do Natal para mim é uma época sagrada. Não porque vou ganhar uma bicicleta nova debaixo da árvore pronta para eu pedalar, mas porque esta época do ano me recordo de dois eventos que aconteceram na história mundial que me dá grande esperança e inspiração interior  - o nascimento de Jesus e a iluminação de Gautama Buda.


Jesus, Mestre das Seis Perfeições


Nos meus primeiros anos de prática budista me esforcei para incorporar as seis perfeições (paramitas), e passei a admirar muito Jesus. Para mim, ele é um dos maiores bodhisattvas da história. As seis perfeições nos ensinam a ser gentis, generosos, pacientes, alegres, silenciosos e a realizar tudo com sabedoria. Se o seu objetivo é tornar-se totalmente iluminado, então você deve realizar essas seis perfeições com uma motivação inabalável para se tornar a melhor versão possível de si mesmo, para que possa ajudar todos ao seu redor. E para conseguir isso, devemos ser altruístas. Você já tentou fazer isso? Você já tentou viver 24 horas por dia, 7 dias por semana, com mais interesse nos outros, colando seus interesses em segundo plano? Se sim, provavelmente concordamos: é muito difícil abandonar o eu ao qual estamos tão apegados. Bem, foi isso que Jesus realizou, e o Senhor Buda também. Ambos obtiveram a vitória sobre o egoísmo em todas as suas formas. Pensemos desta forma: em um mundo com tantas pessoas vivendo motivadas pelo ganho pessoal, Jesus e Buda estão entre os poucos que conseguiram, de uma forma ou de outra, viver de maneira completamente diferente. E ao fazer isso, curaram e ajudaram muitas pessoas. Os budistas celebram esta vitória sobre si mesmos muitas vezes todos os anos. Veremos que a gratidão, a alegria e a generosidade são fundamentais para manifestações de nossa fé.

Como obter equanimidade no Natal?

Por baixo das alegres celebrações desse tempo, podemos encontrar um terreno comum entre os ensinamentos de Jesus e de Buda – a essência central de ambos os seus ensinamentos permanece notavelmente semelhante – uma atenção inabalável no altruísmoNuma época de tamanha divisão global, o que poderia ser mais curativo do que nos apoiar e celebrarmos juntos? Embora tenhamos crenças diferentes, temos isto em comum: no mais profundo de nós temos a bondade e a compaixão, que tem muito poder sobre qualquer forma de divisão que o mundo possa nos lançar. Ao mergulharmos no espírito alegre destas festividades,  valorizemos esta essência que nos une! Todos nós queremos ser felizes. Todos nós queremos evitar o sofrimento. Vamos fazer algo a respeito. Vamos ampliar a bondade comum uns com os outros neste período e conhecer a verdadeira equanimidade neste planeta!


James Ishmael Ford (Myoun Roshi) é um escritor americano, reverendo zen-budista, e ministro emérito da Igreja Unitarista Universalista. Atualmente atua como ministro consultor da Primeira Igreja Unitária de Los Angeles. Recebeu a transmissão do Dharma da Rev. Jiyu Kennett Roshi em 1971. Mantém o blog Monkey Mind https://www.patheos.com/blogs/monkeymind. É autor de vários livros sobre o Zen. É primaz fundador e orientador espiritual da sangha Empty Moon. https://www.emptymoonzen.org/ 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

LAMA YESHE - NATAL, 1982



De alguma forma, ainda estamos vivos e conscientes o suficiente para lembrar quanto tempo se passou desde que Jesus nasceu. Foram mil e nove centos e oitenta e dois anos atrás, certo? E mesmo tendo a sorte de ter nascido em Shangri-la no Tibete, de ter entrado em contato com o mundo dos dakas e dakinis, e ter esta oportunidade de conhecer a história do santo guru Jesus, descobri que entender um pouco da vida de Jesus me ajudou a desenvolver meu próprio caminho, mas não é fácil entender os acontecimentos profundos da vida de Jesus. É muito difícil. Claro, os eventos superficiais de sua vida são bastante fáceis de entender, mas há não há espaço suficiente em nossa mente para compreender suas elevadas ações de bodisatva. Mesmo quando o Senhor Jesus e o Senhor Buda estavam aqui terra, era muito difícil para as pessoas comuns entenderem quem eles realmente eram. Naquela época, poucas pessoas os entendiam. Hoje eu estava lendo a Bíblia, em particular o Evangelho de João, e ele falava sobre os milagres que Jesus realizou e quão poucas pessoas entenderam a profundidade de sua mente liberada que lhe permitiu realizar tais milagres. De qualquer forma, sempre que estou em um retiro como este na época do Natal, gosto de falar sobre essas coisas. Mas vocês precisam entender que, quando faço isso, não estou tentando ser diplomático. Eu não preciso negociar meu relacionamento com vocês dessa maneira. Isso é do fundo do meu coração, o que sinceramente sinto e acredito que simplesmente recordar a vida de Jesus é uma oportunidade incrível. De certa forma, é claro, não importa de onde as pessoas vêm – Oriente ou Ocidente – ou de que cor são, aqueles que eliminam o seu pensamento de auto apreço e dá a vida pelos outros são seres humanos excepcionais. Por essa razão, estou feliz apenas por trazer Jesus e pensar e refletir sobre o que ele fez. Além disso, até certo ponto, sou responsável pela vida e bem estar psicológico dos meus alunos ocidentais, então se quisermos trazer o budismo para ocidente, precisamos fazer de uma forma saudável, em vez de introduzir como uma nova viagem exótica. Não precisamos de novas viagens – precisamos fazer algo construtivo, algo que valha a pena. Qualquer coisa que verdadeiramente valha a pena não diminui nenhuma outra luz; apenas a aprimora. E no que diz respeito à saúde psicológica, fazemos parte do meio ambiente e o meio ambiente faz parte de nós. Portanto, vocês que nasceram no ocidente não deveriam rejeitar o ambiente cristão em que nasceram. Deveríamos nos considerar pessoas de sorte termos nascido em uma sociedade cristã e de ter sabedoria para apreender o que isso significa para a nossa consciência. Especialmente nestes dias, quando há tecnologia revolucionária perigosa em todos os lugares e o mundo está sobrecarregado com combates e guerras, nós realmente precisamos lembrar ativamente de todos os que fizeram o bem no passado.
 
Então, João explicava como Deus nos enviou Jesus como testemunha da verdade, mas, infelizmente, algumas pessoas ignorantes não conseguiram reconhecer quem ele era ou entender o que ele estava ensinando e o mataram. Na minha opinião, o ponto de vista budista é que Jesus era um bodisatva, não apenas no sentido de ter realizado a bodichita e superado o egoísmo, mas no sentido de que, como realizador de milagres, ele era um santo, como Tilopa e Naropa ou, para citar um exemplo vivo, Sua Santidade Zong Rinpoche – alguém completamente livre de superstições que às vezes fazia instintivamente coisas estranhas que, o resto das pessoas não entendiam. Por exemplo, João diz que um dia Jesus estava perto de uma fonte quando a mulher veio encher seu jarro. Jesus lhe disse: “Como você pode saciar sua sede com água? Em primeiro lugar, é a água que deixa você com sede.” Jesus disse a ela que, já que é a água que a deixa com sede, como a água pode ser a solução para matar a sua sede? É algum tipo de pensamento reverso. Quem pode entender isso? Parece loucura, não é? O que ele quis dizer foi que somente a água espiritual pode realmente saciar a sede. Então vocês podem ver, o significado real está de alguma forma além das palavras. A mulher está tomando água; ele diz: “Por que você está fazendo isso? Isso não vai resolver o seu problema de saciar sua sede.” São diálogos malucos sobre a mente silenciosa. Hoje em dia provavelmente bateríamos em alguém que falasse assim conosco. Mas, felizmente, naquela época Jesus não apanhou por falar daquela maneira. João também disse que como Jesus nasceu de Deus, seus discípulos também eram derivados da energia de Deus. Isso é semelhante ao que dizem os ensinamentos budistas quando explicam que todos os shravakas e pratyekabudas nasceram do Buda Shakyamuni. A sensação aqui é que tais seguidores nascem do discurso de sabedoria e verdade do professor. Ao internalizar isso, eles descobrem a verdade por si mesmos e se tornam seres realizados. Filosoficamente, é claro, podemos dizer que o budismo não aceita que Deus seja a fonte de todos os seres humanos e de todas outras coisas. Mas de outro ponto de vista, podemos dizer que o budismo também não contradiz esta afirmação. Por exemplo, de onde vem o reino humano? O Buda disse que o reino humano é causado pelo carma positivo. Isso é verdade. Se os reinos superiores não provêm do bom carma, então de onde eles vêm? Então, do ponto de vista budista, todo bom carma vem do Buda... ou, você pode dizer, que vem de Deus. Portanto, o reino humano vem de Deus e de Buda. Por causa do discurso sagrado do Buda, os seres sencientes criam um bom carma. Quero que vocês entendam bem isso. Ainda assim, filosoficamente vocês podem argumentar este ponto de uma forma ou de outra. Depende de como vocês interpretam. Vocês podem interpretar a afirmação de forma negativa ou positiva. Na verdade, vocês podem fazer qualquer coisa com a filosofia. Agora, com relação a Deus, qual é a diferença entre Buda e Deus? Hoje direi que, de acordo com o budismo e o cristianismo, as qualidades do Buda e as qualidades de Deus são as mesmas. As pessoas sempre se preocupam com a criação. “Deus é o criador de tudo; Buda é o criador de tudo.” Isso significa que o Buda criou a negatividade? Bem, o Buda disse que, em última análise, não existe positivo e negativo. Os tibetanos abordam esta questão pegando o exemplo de um rio. Quando nós estamos na margem de um rio, chamamos a margem oposta de “o outro lado”. Quando estamos naquela margem chamamos esta de “o outro lado”. Existe este lado e aquele lado, aquele lado e este lado. É interdependente. Sem o outro lado, este e o outro lado não existiriam. Da mesma forma, se o positivo não existisse, o negativo também não poderia existir. Em outras palavras, o negativo vem do positivo, o positivo vem do negativo. Então talvez vocês argumentem: “Bem, se Deus é o criador, se Deus é a causa de tudo, como as coisas orgânicas como as plantas, assim como Deus podem ser permanentes?” As pessoas dizem que Deus é permanente – então como pode algo que é permanente produzir algo impermanente, como uma planta? A principal causa de um fenômeno impermanente também deve ser impermanente. Esse tipo de argumento vem dos budistas, então vou debater com eles: “Então, como você pode dizer que os shravakas e os pratyekabudas nasceram de Buda? Buda é permanente.” A resposta é que tais declarações não devem ser interpretadas literalmente. Em resposta a isso, direi: “Bem, Deus pode ser igual a Buda, no sentido de um ser pessoal. Deus pode ser uma pessoa da mesma forma que o Buda Shakyamuni foi.” Não é como se um Deus permanente estivesse sentado em algum lugar. Deus pode ser algo orgânico, um ser pessoal com quem você pode se relacionar pessoalmente. Eu lhe digo, os filósofos sempre tentam tornar tudo muito especial. "Deus. Buda. Deus é isso; Buda é aquilo.”
 
Eles colocaram Deus e Buda em algum tipo de pedestal intocável, de modo que as pessoas comuns não conseguissem se identificar com eles. Eles tornam impossível compreender a natureza de Deus, a natureza de Buda. Isso é estupido. Eles apenas criam mais obstáculos para as pessoas. Então os seres humanos, com suas mentes limitadas, tentam colocar chocolate e chantilly em Deus, e passar numa faca. Eles depositam seu próprio lixo em Deus. Está tudo errado; definitivamente errado. Eu realmente acredito que às vezes a filosofia pode se tornar um obstáculo para as pessoas realmente compreenderem a natureza de Deus e de Buda. Talvez eu seja um revolucionário, mas rejeito muitas das posições filosóficas sobre estas questões. No entanto, personificar Deus ou Buda não contradiz a sua natureza onipresente. Podemos falar das qualidades pessoais de Heruka, por exemplo, mas ao mesmo tempo ele é universal e onipresente. Precisamos entender isso. Um dos problemas que encontramos no ambiente ocidental é a opinião negativa que as pessoas geralmente têm dos seres humanos. Eles os consideram no mesmo nível dos peixes e das galinhas: são um incômodo; eles são muito complicados. Não temos respeito pela dignidade humana. As pessoas podem ter qualidades transcendentes enquanto humanas, mas não entendemos isso. Portanto, as pessoas que tentam explicar a Bíblia e Deus têm que separar os seres humanos de Deus: “Os humanos aqui embaixo são os piores. Eles são como fantasmas famintos, negativos e pecadores, enquanto Deus está lá em cima, perfeito e puro.” Isso está errado. Se você quiser tocar Deus com a mente humana, terá que estabelecer um relacionamento entre Deus e os seres humanos. Você não pode dizer que Deus é perfeito e os humanos são sujos. Sem chance. Além disso, a Bíblia usa o termo Deus pessoal ou algo parecido. Quando Sua Santidade o Dalai Lama visitou a Espanha no início deste ano, ficamos num mosteiro cristão. Havia cerca de trinta monges idosos ali; alguns eram muito velhos. Estávamos todos sentados juntos, nos divertindo fantasticamente, nos comunicando muito bem, meio que totalmente unidos, tendo uma longa conversa sobre religião, e um monge, ele devia ter uns cinquenta anos, descreveu Deus exatamente da mesma maneira que eu estava pensando. Eu estava em choque. Eu disse: “A maneira como você descreve Deus está explicado na Bíblia?” Ele disse que sim. De alguma forma, estávamos pensando em Deus da mesma maneira. Depois tivemos uma discussão sobre o vazio. Sua Santidade perguntou ao monge: “O que você acha que é o vazio?” O monge respondeu: “Desapego é vazio”. Para mim, essa foi uma resposta completamente satisfatória. Eu me prostro diante de qualquer um que responda dessa maneira. Não tenho dúvidas para com ninguém que pensa que o desapego é vazio. Isso é ótimo. Fiquei muito impressionado. Bem, qual é a diferença? Se você perguntar aos budistas inteligentes o que é o vazio, eles dirão a não-auto-existência, mas para mim, com a mente silenciosa, a resposta desapego é muito mais admirável. Estou falando sobre minha experiência. Se alguém me diz que desapego é vazio, isso toca meu coração. Filosoficamente, a resposta não-auto-existência é perfeita, mas é totalmente seca. Não tem nenhum sentimento. Do ponto de vista filosófico, dizer que o desapego é vazio pode até ser errado. Os filósofos tibetanos olharão de soslaio e dirão: “Uau, que tipo de resposta é essa?” Há aquela história de um geshe intelectual perguntando ao grande iogue Milarepa: “O que é o Vinaya?” Milarepa respondeu: “Eu não diferencio Vinaya de não-Vinaya. Tudo o que sei é que se minha mente estiver subjugada, isso é Vinaya.” Essa foi uma resposta incrível, não foi? Uma resposta inacreditável. Novamente, filosoficamente, a resposta de Milarepa estava errada, mas na verdade, foi realmente a resposta perfeita. Se você olhar para trás, para o verdadeiro Vinaya, essa foi absolutamente uma resposta do Vinaya. Mas se você está apenas brincando com as palavras, foi um desastre! Então o geshe fez outra pergunta, tentando controlar a situação: “O que é dicotomia?” Milarepa disse: “Bem, não sei”. Aqui não me lembro exatamente como foi. Minha memória não é tão boa. De qualquer forma, Milarepa disse: “Bem, não sei, meu querido amigo, mas acho que a mente oposta ao Dharma, isso é dicotomia”. Essa também foi uma boa resposta, não foi? Você provavelmente se lembra dessa história. O Vinaya não é apenas para monges e freiras. É para todos integrarem suas mentes com o Dharma; subjugá-lo com o Dharma. Então, quando um monge cristão diz que desapego é vazio, para mim essa é uma resposta que vai ao fundo. A mente do apego mantém uma concepção que é o oposto da sabedoria do vazio, porque o apego superestima a qualidade do seu objeto e projeta isso em sua realidade. O apego existe porque não entendemos a natureza do objeto. Se compreendermos o verdadeiro pensamento cristão, que o apego é um problema humano, mas podemos ir além dele, teremos uma resposta profunda.
 
Do meu ponto de vista, aqueles monges cristãos levavam uma vida mais ascética do que a maioria dos monges tibetanos. Essa é apenas minha opinião. Não estou menosprezando os tibetanos. Eu sou tibetano. Não há razão para eu me rebaixar. Eu não sou idiota. Ou talvez eu esteja sendo. O mosteiro onde viviam esses monges é muito isolado. Cada monge tinha sua própria cela, que possuía uma pequena abertura por onde a comida passava. Eles são totalmente independentes. Há um pequeno jardim nos fundos, que não pode ser visto de fora. Foi inacreditável. Fiquei muito impressionado e tenho grande respeito pelo cristianismo ocidental. Eu não estou brincando. Estou muito velho para brincar! E não estou dizendo “o cristianismo é ótimo” por algum propósito político. Também estou velho demais para políticas. Esses monges simplesmente tocaram meu coração. Eu nunca tinha visto isso antes; Eu nunca tinha visto um mosteiro ocidental com monges vivendo vidas tão puras e ascéticas com uma prática tão forte. Essa foi a primeira vez que vi isso por mim mesmo. Eu estava tão feliz. Bem, acho que meu tempo acabou. 

Agora tenho que terminar minha apresentação. Mas não tenho certeza de como terminar. No entanto, a minha conclusão é que eu gostaria que todos vocês tentassem unificar suas atitudes em relação ao budismo e ao cristianismo; para ver como o budismo pode de alguma forma ajudar a religião do seu próprio país. Ajude os cristãos a compreender melhor o budismo e ajude os budistas a compreender melhor o cristianismo da mente silenciosa, para que possamos respeitar uns aos outros, ter devoção uns pelos outros, tocar uns aos outros. Essa é a maneira mais saudável de ser. Como estou fora da sociedade ocidental, apenas observo isso objetivamente. Na minha perspectiva, os ocidentais foram grandemente influenciados por Jesus e pela religião cristã. Isso é muito valioso, tão valioso. Sua bondade, sua tranquilidade, sua bondade amorosa – tudo isso realmente vem da religião cristã. Você não recebe nada disso da política, não é? O que a política do seu país traz é derramamento de sangue. Então, do meu ponto de vista, eu lhe dou permissão para se tornar cristão amanhã. Eu me alegro. Vou te contar uma coisa: não sou apegado a essas coisas. Eu realmente acredito nisso. Se vocês viessem até mim amanhã e dissessem: “Lama, descobrimos que nossa religião tradicional tem tanto valor que decidi me ser cristão”, eu diria: “Muito obrigado”. Não machucaria meu ego. “Estaria feliz! Ótimo, vá à igreja. Tudo bem. Portanto, neste momento temos muita sorte de poder lembrar a vida profunda dos santos cristãos e o trabalho árduo que realizaram. Vale muito a pena regozijar-se com o que eles realizaram. Não apenas os santos do passado, mas também os do presente, aqueles que levam vidas ascéticas, dando as suas vidas para ajudar e trabalhar pelos outros em sua sociedade. Devemos orar pelo seu sucesso e crescimento espiritual, para que em breve percebam e se unifiquem com a Divindade. Historicamente, também podemos ver outras pessoas altruístas que vieram à Terra, como Gandhi-ji. Embora alguns não o apreciem, ele foi um grande homem que ajudou o povo indiano a se libertar do nariz inglês! E embora fosse um político muito hábil, a sua filosofia básica era ahimsa e compaixão, e com isso libertou o povo indiano da opressão britânica. Em troca, foi assassinado, mas também aceitou isso. Vocês podem ver quantos bilhões de pessoas existem na terra, e esse número continua aumentando, mas quantos estão preparados para se sacrificar um pelos outros? É muito raro alguém fazer isso, como quando em uma de suas vidas anteriores como príncipe, o Buda Shakyamuni sacrificou seu corpo à mãe tigresa faminta e seus filhotes. Jesus deu de si mesmo e Gandhi-ji também. Quem mais foi capaz de fazer o que eles fizeram? Oferecer publicamente a sua vida para salvar a de outra pessoa é muito raro, não é? Não estudei muito história, mas não creio que existam muitas histórias assim. Agora, não temos que dar a nossa vida ou o nosso corpo, mas podemos diminuir o nosso egoísmo, podemos desenvolver mais atenção com a felicidade dos outros do que com a nossa. Então motivem-se fortemente, assim: “Essas pessoas foram incríveis. Eles não tinham um pingo de egoísmo em seu corpo e se entregaram totalmente aos outros. Eu simplesmente não consigo me imaginar fazendo isso. Eles eram tão bons. A bodichita deles deve ter sido incrivelmente bem desenvolvida; eles devem ter tido uma enorme bondade amorosa e compaixão pelos outros; eles devem ter transcendido toda dor. “Então, tanto quanto eu puder, pelo resto da minha vida, dedicarei minha mente silenciosa, corpo, fala e mente e qualquer riqueza que tiver para beneficiar os outros. De agora em diante, pertenço aos outros e eles podem contar comigo como quiserem. Que eu e todas as mães e seres sencientes nunca nos separemos do professor bodisatva nesta e em todas as nossas vidas futuras.”
 
 
 

LAMA YESHE - DHARMA NATALINO



Quando voltarmos a nos ver na véspera de Natal para a celebração do nascimento do Santo Jesus, façamo-lo em paz, com boa vibração e mente exultante. Eu acho que seria maravilhoso. Participar da celebração com raiva seria muito triste. Venha em vez disso com uma bela motivação e muito amor. Não tenha discriminação, mas veja tudo e todos como uma flor dourada, até mesmo o seu pior inimigo. Então o Natal, que tantas vezes produz uma mente agitada, ficará tão lindo.

Quando você muda sua atitude mental, a visão externa também muda. Esta é uma verdadeira mudança de mentalidade. Não há dúvida sobre isso. Não sou especial, mas tenho experiência nisso e funciona. Vocês são tão inteligentes que podem entender como a mente tem essa capacidade de mudar a si mesma e ao seu ambiente. Não há razão para que esta mudança não possa ser para melhor.

Alguns de vocês podem pensar: “Oh, não tenho nada a ver com Jesus, nada a ver com a Bíblia”. Esta é uma atitude muito raivosa e emocional em relação ao cristianismo. Se você realmente entendesse, reconheceria que o que Jesus ensinou não foi nada além de: “Amor!” É tão simples e profundo. Se você tivesse amor verdadeiro dentro de você, tenho certeza de que se sentiria muito mais tranquilo.
O que você normalmente pensa sobre o amor? Seja honesto. Está sempre envolvido com discriminações, não é? Basta olhar ao redor desta sala e ver se alguém aqui é objeto do seu amor. Por que você discrimina tão nitidamente entre amigos e inimigos? Por que você vê diferenças tão grandes entre você e os outros? Nos ensinamentos budistas, esta atitude ilusória e discriminativa é chamada de dualismo. Jesus disse que tal atitude é o oposto do verdadeiro Amor. Portanto, há em alguém de nós o amor puro de que Jesus estava falando? Se não o fizermos, não devemos criticar os seus ensinamentos ou sentir que são irrelevantes para nós. Somos nós que entendemos mal, talvez conhecendo seus ensinamentos, mas nunca agindo de acordo com eles.

Há tantas frases lindas na Bíblia, mas não me lembro de ter lido que Jesus alguma vez tenha dito que sem você fazer absolutamente nada – sem se preparar de alguma forma – o Espírito Santo desceria sobre você, whoosh! Se você não agir da maneira que Ele disse que você deveria agir, não existe Espírito Santo em nenhum lugar para você.
O que li na Bíblia tem a mesma conotação dos ensinamentos budistas sobre equilíbrio, compaixão e transformação do apego ao ego em amor aos outros. Pode não ser imediatamente óbvio como treinar a sua mente para desenvolver estas atitudes, mas é certamente possível fazê-lo. Somente o nosso egoísmo e a nossa mente fechada nos impedem.

Com as verdadeiras realizações, a mente egóica não está mais preocupada com a sua própria salvação. Com o amor verdadeiro, a pessoa não se comporta mais de maneira dualística; sentindo-se muito apegado a algumas pessoas, distante de outras e totalmente indiferente às demais. É tão simples. Na personalidade comum, a mente está sempre dividida contra si mesma, sempre lutando e perturbando a sua própria paz. Os ensinamentos sobre o amor são muito práticos. Não coloque a religião em algum lugar no céu nem sinta-se preso aqui na terra. Se as ações do corpo, da fala e da mente estiverem de acordo com a bondade amorosa, você automaticamente se tornará uma pessoa verdadeiramente religiosa. Ser religioso não significa ouvir certos ensinamentos. Se você ouvir os ensinamentos e interpretá-los mal, você será, na verdade, algo oposto ao religioso. E é somente porque você não entende determinado ensinamento que você abusa da religião.

A falta de uma compreensão profunda leva ao partidarismo. O ego julga: “Sou budista, portanto o cristianismo está totalmente errado”. Isto é muito prejudicial ao verdadeiro sentimento religioso. Não se destrói religiões com bombas, mas com ódio. Mais importante ainda, você destrói a paz da sua própria mente. Não importa se você expressa seu ódio com palavras ou não. Os meros pensamentos de ódio destroem automaticamente a paz.

Da mesma forma, o amor verdadeiro não depende de expressão física. Você deveria perceber isso. O amor verdadeiro é um sentimento profundo dentro de você. Não se trata apenas de ter um sorriso no rosto e parecer feliz. Em vez disso, surge de uma compreensão sincera do sofrimento de todos os outros seres e irradia-se para eles indiscriminadamente. Não favorece uns poucos escolhidos e excluindo aos outros.
Além disso, se alguém bater em você e você reagir com raiva ou com grande alarme, gritando: "O que aconteceu comigo?" isso também não tem nada a ver com uma mente que conhece o significado do amor verdadeiro. É apenas a preocupação ignorante do ego com o seu próprio bem-estar. É muito mais sábio perceber: "Ser atingido não me prejudica realmente. Minha ilusão de ódio é um inimigo que me prejudica muito mais do que isso." Refletir assim permite que o amor verdadeiro cresça.

 Este ensinamento está no livro "Mente silenciosa, Mente sagrada: Reflexões de um Lama tibetano sobre o Natal", uma coleção de palestras proferidas por Lama Yeshe, ao final de um dos retiros no Monastério Kopan. Estudantes ocidentais reuniram-se na véspera de Natal, para ouvir ensinamentos sobre a prática budista e o nascimento de Jesus.