segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

LAMA THUBTEN YESHE - DHARMA NO NATAL


Um paralelo entre o budismo e o cristianismo. Ensinamento do Lama Thubten Yeshe (1935-1984) sobre o natal na visão budista. Texto publicado em português pelo extinto site Dharmanet.
Quando nos virmos no Natal para a celebração do sagrado nascimento de Jesus, vamos fazer isso em paz, com uma boa vibração e com uma mente feliz. Acho que isso seria maravilhoso. Participar com uma disposição raivosa seria muito triste. Ao invés disso, venham com uma bela motivação e com muito amor. Não tenham discriminação, mas sim vejam tudo como uma flor dourada, até mesmo o seu pior inimigo. Então o Natal, que muitas vezes produz uma mente agitada, se tornará muito belo.

Quando vocês mudarem sua atitude mental, a visão externa também mudará. Isto é uma verdadeira mudança da mente. Não há dúvida quanto a isso. Eu não sou especial mas tive a experiência de fazer isso, e funciona. Vocês são inteligentes, então podem entender como a mente tem esta habilidade de mudar a si mesma e ao seu ambiente. Não há razão pela qual esta mudança não possa ser para a melhor.
Alguns de vocês podem pensar, “Oh, eu não quero ter nada a ver com Jesus, nada a ver com a Bíblia.” Esta é uma atitude muito raivosa e emocional diante do Cristianismo. Se vocês realmente entenderam, reconhecerão que o que Jesus ensinou foi, “Amor!” É tão simples e profundo quanto isso. Se tiverem o verdadeiro amor dentro de vocês, estou certo que se sentiriam mais pacíficos do que agora.
Como vocês normalmente pensam sobre o amor? Sejam honestos. É sempre envolvido com discriminações, não é? Apenas olhem ao redor desta sala e vejam como qualquer um aqui é um objeto de seu amor. Por que vocês discriminam tão agudamente entre amigo e inimigo? Por que vocês vêem essa grande diferença entre vocês mesmos e os outros?
No ensinamento budista, esta atitude falsamente discriminadora é chamada dualismo. Jesus disse que essa atitude é o oposto do verdadeiro amor. Portanto, há alguém entre nós que tenha o amor puro do qual Jesus estava falando? Se não, não devemos criticar seus ensinamentos ou achar que eles são irrelevantes para nós. Somos aqueles que entenderam mal — talvez conheçamos as palavras de seus ensinamentos mas nunca agimos sobre elas.
Há muitas frases belas na Bíblia mas eu não me lembro de ter lido sobre Jesus dizendo que, sem fazer qualquer coisa — sem se preparar de algum modo —, o Espírito Santo desceria sobre vocês. Se vocês não agirem do modo que Ele disse que deveriam, não há Espírito Santo existente em qualquer lugar para vocês. O que li na Bíblia tem a mesma conotação dos ensinamentos budistas sobre o equilíbrio, a compaixão e a mudança do apego ao ego em amor para os outros. Pode não ser imediatamente óbvio como treinar a mente para desenvolver estas atitudes, mas é certamente possível fazer isso. Apenas o nosso egoísmo e mente fechada podem nos impedir.
Com verdadeiras realizações, a mente não fica mais preocupada egoisticamente com a sua própria salvação. Com o verdadeiro amor, não mais nos comportamos dualistamente, sentindo muito apego a algumas pessoas, distante de outras e totalmente indiferente para o resto. É muito simples. Na personalidade ordinária, a mente é sempre dividida contra si mesma, sempre lutando e perturbando sua própria paz.
Os ensinamentos sobre o amor são muito práticos. Não coloquem a religião em algum lugar acima, no céu, e não se sintam fincados aqui embaixo, na Terra. Se as ações do corpo, da fala e da mente estiverem de acordo com a bondade amorosa, vocês automaticamente se tornarão verdadeiros religiosos. Ser religioso não significa que vocês participam de certos ensinamentos. Se vocês ouvirem os ensinamentos e os interpretarem mal, serão de fato o oposto do religioso. E é apenas por não entenderem um certo ensinamento que vocês abusam da religião.
A falta de um entendimento conduz ao sectarismo. O ego sente, “Eu sou um budista, portanto o Cristianismo deve estar todo errado.” Isto é muito prejudicial para o verdadeiro sentimento religioso. Vocês não destroem uma religião com bombas, mas sim com o ódio. Ainda mais, vocês destroem a paz da mente. Não importa se vocês expressam seu ódio com palavras ou não. Os meros pensamentos de ódio automaticamente destroem sua paz.
Do mesmo modo, o verdadeiro amor não depende da expressão física. Vocês devem realizar isto. O verdadeiro amor é um sentimento profundo dentro de vocês. Não é apenas uma questão de ter um sorriso no rosto e parecer feliz. Ao invés disso, ele surge do entendimento sincero do sofrimento de cada ser e se irradia para eles indiscriminadamente. Ele não favorece alguns poucos escolhidos com a exclusão de todos os outros.
Além disso, se alguém nos bate e reagimos com raiva ou grande alarme, chorando, “O que aconteceu comigo?”, isto também não tem a ver com uma mente que conhece o verdadeiro significado do verdadeiro amor. É apenas a preocupação ignorante do ego dentro de seu próprio bem estar. É muito mais sábio realizar, “Ser batido não me prejudica realmente. Minha delusão do ódio é um inimigo que me prejudica muito mais do que isto.” Refletir assim permite que o verdadeiro amor cresça.

Lama Yeshe nasceu no Tibet em 1935. Em 1969 fundou o monastério de Kopan no Nepal. Lama Yeshe faleceu em 1984, deixando vasta obra sobre os ensinamentos budistas, fundou junto com seu principal discípulo, Lama Zopa, a  Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

IRMÃ ELAINE MACINESS - CONTEMPLAÇÃO ZEN PARA CRISTÃOS



No escuro, o Budismo se sente em casa. O Zen fala dos seus místicos como sendo cegos porque não enxergam nada, gosto de soletrar: n-a-d-a. É claro que é um nada cheio do todo! O cristianismo é uma religião da luz e da alegria: "Vos sois a luz do mundo"(Mateus. 5: 13-14). “Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa” (João 15:11). O cristianismo é conhecido como a religião do amor, o que é muito interessante. Ainda assim, no presente momento o número de adeptos parece estar diminuindo a cada dia. O que está acontecendo, por quê? Às vezes me pergunto: "qual o meu lugar dentro da minha própria religião?" Respondo com a enigmática resposta oriental: "não sei". E isso não é ausência de conhecimento. No oriente, descobri que não precisamos saber de tudo. Na verdade, existem coisas que não devem ser conhecidas ou compreendidas. Isso não significa que não podemos aceitá-las.



Contemplação Zen para Cristãos: a ponte da água viva

Irmã Elaine Maciness, é uma freira Católica Zen Budista, nascida em 1924 no Canadá, estudou Música, e em 1961 viajou para o Japão com as "Missionárias de Nossa Senhora", onde começou estudar o Zen Budismo. Foi aluna de Yasutani Roshi, de quem recebeu a transmissão do Dharma em 1980.


sábado, 1 de julho de 2017

PE. BERNARD DUREL OP - O ZEN E CRISTO




O que são os ensinamento Zen? 

O mestre desestabiliza o discípulo para tirá-lo da prisão da mente. Esse método é chamado de "puxar o tapete". O próprio Jesus o praticou muitas vezes... por exemplo, quando os fariseus faziam-lhe perguntas, ele respondia: "espere um pouco, vou te fazer outra, se você responder, eu respondo a sua!". Por muito tempo este ensinamento me pareceu infantil, mas isto faz com que a pessoa caia no chão e tenha contato com a realidade... este é o terreno em que se deve se assentar. 

Agora, você diz: "sou um cristão que conheceu Buda" ...

Finalmente, foi através do pe. Oshida - minha inspiração - que dizia o seguinte: "Eu sou um budista que conheceu Cristo". Desde a infância até a idade adulta, ele foi um budista devoto, e aos quarenta anos conheceu Cristo. Mais tarde, ele pediu para ser batizado, e se tornou um sacerdote católico dominicano, mas até o fim da sua vida, dizia: "Eu sou um budista que conheceu Cristo". Ele não disse: "Fui budista e agora sou cristão". Eu poderia manter uma fala semelhante: "Eu sou um cristão que conheceu Buda". Mas digo, "Buda cruzou o meu caminho". Fui para o Japão em 1990, e tive esta pequena imersão nos ensinamentos de Buda. Atento-me a figura de Buda. Seus ensinamentos me despertou para alguns aspectos da minha fé cristã.

O encontro com o Buda permitiu que você enxergasse Cristo com novos olhos? 

Sim, com certeza, mas eu diria que só por um ângulo. Basicamente, Sidarta Gautama tornou-se Buda, foi um homem que conheceu a experiência da iluminação, entendeu que o despertar era possível a todos: "o caminho é aberto a todos". Com Cristo, os profetas, o Velho e o Novo Testamento, estamos lidando com uma revelação localizada no tempo e no espaço, para o qual desempenha as palavras de São Paulo no início da Carta aos Corintios. Hoje vejo melhor e com originalidade o poder desta afirmação.

"aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso."


trecho de entrevista intitulada: "Entre a almofada e o altar".

Pe. Bernard Durel, é um padre francês da Ordem dos Dominicanos do Convento de Estrasburgo. Foi aluno de Karlfried Dürckheim e Pe. Oshida, também manteve relações com pe. Hugo Lassalle Roshi e Willigis Jäger.


quarta-feira, 21 de junho de 2017

HERÓDOTO BARBEIRO E FREI BETTO: O BUDISTA E O CRISTÃO


Heródoto: Assim como Buda, Jesus meditava?

Frei Betto: Tenho para mim que Jesus passava longos tempos em meditação. Não acredito que ele orasse como a minha vó paterna. À noite, ela abria a lista de oitenta nomes da família e, enquanto não rezasse por cada um, não terminava as orações, achando que se alguém morresse não teria reduzida sua pena no purgatório ou não se salvaria do inferno...

Jesus costumava passar a noite em oração. Quem de nós, nos últimos dez anos, passou uma noite em oração? suponho que ele meditava. Ou seja. falamos muito de Deus, sobre Deus, a Deus, mas não deixamos Deus falar em nós. Porque isso mexe muito com os rumos de nossas vidas. Jesus, no entanto, deixava Deus falar nele.

Essa é a grande contribuição do Budismo ao Cristianismo - a meditação com excelência de oração. Na meditação, escutamos Deus, um escutar sem ouvidos e palavras, uma intuição, irmã gêmea da inteligência. Inteligência, em latim, significa intus legere, ser capaz de "ler dentro". Recordo a cozinheira do meu avô materno, Bertula, filha de escravos, que nunca aprendeu a ler, mas era muito inteligente. Às vezes, chegava uma visita na casa de meu avô e ela apenas observava. Depois, chamava minha vó e alertava: "olha, sabe aquela pessoa? Não confie, não". Dito e feito. Era inteligente e intuitiva também., como se lesse no interior das pessoas e pressentisse. Esta opera na mente, aquela no plexo solar.

Jesus só teria se dado conta de que Deus o escolheu para ser a sua encarnação no momento em que ressuscitou. Tanto que chorou na hora da morte, teve muito medo. O Evangelho diz que chorou lágrimas de sangue.

trecho do livro: Heródoto Barbeiro e Frei Betto: O budista e o cristão: um diálogo pertinente.

terça-feira, 20 de junho de 2017

PE. JACQUES BRETON OCD - O ZEN E OS SÍMBOLOS


A prática Zen Budista teve como primeiro efeito me fazer redescobrir o lugar dos grandes símbolos da vida espiritual. Mas o Zen Budismo não se concentra em simbolismos por razões que veremos mais adiante. Entretanto, paradoxalmente, me aprofundando nesta prática fui capaz de reviver todos os símbolos que ensina a Bíblia. Mas o que é um símbolo? Padre Ganne diz: "Ao contrário da crença popular de que o simbolismo se tornou sinônimo de algo irreal, refere-se ao antagonismo usado para reconhecer a si mesmo, para o reconhecimento mútuo de se tornar presente." Etimologicamente o termo grego “sol-bolon” significa que duas metades de um objeto separado servirão como sinais de reconhecimento de suas respectivas unidades. Nas tradições religiosas, o simbolismo tem como objetivo juntar duas extensões: material e espiritual, sagrado e profano, o homem e Deus. Separados por diferentes causas, são destinados a reencontrar a sua unidade primordial na totalidade do que são. Em vez disso, o “dia-bolon”, o "diabo", tentará separar os dois planos e se oporá a reunificação da matéria e o espirito. Tomemos o exemplo da luz do farol: para o marinheiro que vê a luz, essa luz é um sinal convencional indicando o ponto da sua rota. Para Moisés no Monte Horeb, aquela luz que queimava sem se apagar tornou-se um símbolo. Na imagem de um fogo encantador, ele apresentou este Deus três vezes santo (Isaías 6: 3), que não podemos tocar sem morrer. Isso mesmo, o fogo, que também é a luz, pode se manifestar como a Luz Divina. Assim o povo de Israel foi guiado pelo fogo em sua marcha para o deserto (Números 9:15). Mas o fogo também tem a propriedade de purificar, e o anjo toma uma brasa no altar para purificar o profeta Isaías e libertá-lo do pecado para que se torne o mensageiro do Senhor (Is 6: 7-8 ). Na Nova Aliança, este símbolo irá se intensificar, para  assim internalizarmos. Não vai ser apenas um sinal de reconhecimento, ele vai desempenhar o seu papel vital de conectar o homem com Deus. Ser cristão é ser batizado no fogo, ou seja, imerso nele (Mateus 3, 11). O fogo torna-se a presença do Espírito Santo no coração do homem. No Pentecostes, os discípulos receberam o Espírito Santo como “línguas de fogo”. Este fogo vai simbolizar o Espírito Santo que unifica o espírito humano para iluminar a sua inteligência e abri-la a outras culturas. Pode se transformar na chama interior que inflama o coração do homem (Lucas 12: 49). Por outro lado, pode ser que para aqueles que recusam o Espírito Santo, o signo do fogo seja o da destruição e da morte  (Mateus 25: 4). Então, é o cristão o chamado a viver este símbolo de fogo interno na presença do Espírito Santo. A Bíblia está cheia de símbolos. Todos - água, vento, alimento, terra, céu, a cruz – o fogo permite o encontro com Deus no aspecto do que ele significa. Embora conceitos ainda sejam abstrações, o símbolo pelo contrário é uma realidade que nos ajuda a estabelecer concretamente uma relação com a totalidade.


Pe. Jacques Breton OCD, foi um padre carmelita francês da abadia de Saint-Benoit-sur-Loire. Na década de 1970, descobriu o Zen Budismo e seguiu um ano tomando ensinamentos com Karlfried Graf Dürckheim na Alemanha. Passou também vários meses em um mosteiro Zen em Tóquio como parte do intercâmbio espiritual organizado pelo Vaticano. Em 1987, ele fundou a "Casa de Assis" em Saint-Gervais. Anualmente o mestre Roshi Hozumi Gensho  é convidado por ele para orientar retiros na França. Foi um dos principais a promover o diálogo interconfessional na França. É o autor do livro "Iluminação: experiência Cristã e Zen Budista". 

PE. HENRY VESSEUR - O DIÁLOGO NA HOLANDA


Jardim Zen do mosteiro de St. Willibrord

P: Você diz que neste mosteiro se pratica o Zen. Disse também que os monges tiveram uma espécie de crise de identidade após o Concílio Vaticano II, e que o monasticismo cristão foi reinventado utilizando o Zen. O que foi encontrado no Zen que deslumbrou a tradição cristã?

R: Depois da declaração do Concílio Vaticano II muitos monges saíram das suas abadias, a seguridade da vida monástica tradicional e suas regras fixas se vulnerabilizaram. Além disso, a sociedade sofreu alterações. A questão da busca de Deus foi confrontada, que é o único critério da Regra de São Bento. Nesta abertura, os irmãos tornaram-se familiarizado com o Pe. Hugo Lasalle. A partir disso, o Zen foi reconhecido. O Zen foi a causa dos irmãos dizerem naquela época: "Vamos também pela corrente da Nostra Aetate, (o documento do Concílio Vaticano II sobre o diálogo com as religiões orientais), e foram para os retiros organizado pelo Pe. Hugo Lasalle. E assim, o que nós encontramos no Zen? Especialmente a oração suave e sem palavras. Tal oração é própria no cristianismo, quando falamos sobre da oração como uma instrumento para a paz. Praticar o Zen é realmente para nós uma redescoberta deste aspecto contemplativo. Redescobrimos o silêncio. Na igreja você vê o retorno disso. Por exemplo, existem momentos silenciosos de contemplação durante a liturgia, que pode ser um tipo de silêncio contínuo, ininterrupto. O silêncio nos leva para as profundezas de si mesmo, ao nosso coração. Para fazer este movimento, nós realmente não tínhamos mais recursos. O Zen tem nos ajudado a descobrir novamente o que S.Bento falava sobre o “ouvir”.

P: Você vê a prática do Zen dentro da comunidade monástica como uma forma de múltipla pertença religiosa?

R: A prática do Zen no mosteiro continua a ser um ponto um pouco complicado. Acontece que alguns irmãos meditam totalmente na forma budista e falham em alguns outros pontos. Assim, eles também se soltaram da forma tradicional cristã. A vida monástica cristã não deve ser uma mistureba, que você põe no liquidificador e pratica as duas tradições como se fosse uma. Quando falo para mim mesmo: o gênio do cristianismo é Cristo, é porque ele é a razão de ser dos cristãos. Isso é não é igual nas outras tradições. Essas diferenças, devemos manter. Isso é o que “Nostra Aetate” diz. Ao mesmo tempo, uma visão importante da “Nostra Aetate” diz que as religiões são mutuamente especiais. O Zen tem nos servido como uma forma de explorar as camadas da nossa própria tradição. Isso faz da nossa vida monástica uma riqueza. Toda a cultura por trás, a cultura budista, o caminho óctuplo, etc, para nós tem um valor direto no nosso monaquismo, no sentido de que nos acrescenta. E, devo honestamente dizer agora que eu sou o único na abadia que está fortemente envolvido com o Zen, e que leva a sério a meditação. O Zen no nosso mosteiro é realmente um legado, hoje estamos profundamente envolvidos com a sociedade holandesa que está cada vez mais caracterizada pela presença de pessoas de diferentes culturas, que também aderiram diferentes religiões."

trecho de uma entrevista feita por Hanneke Honselaar do site https://www.nieuwwij.nl/





Pe. Henry Vesseur, é abade do mosteiro beneditino de “St. Willibrord” em Gelderlen – Doetinchem na Holanda. O mosteiro é conhecido desde os anos sessenta por integrar o Zen Budismo na vida monástica cristã. É realizado anualmente encontros inter-religiosos junto a sangha budista do Zen River. Dentro da programação do mosteiro é oferecido sessões de Zazen aos interessados, as sessões são orientadas pelo pe. Henry Vesseur, além dos serviços litúrgicos tradicionais.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

sábado, 17 de junho de 2017

PE. JORGE JULIO MEJÍA SJ - 3. ENCONTRO ZEN LATINO AMERICANO



PERGUNTA

Em sua condição de padre católico e praticante Zen, sendo a Colômbia primordialmente um país cristão, como você acha que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que se sintam forçadas a deixarem suas crenças ou que pensam que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de que maneira esta prática contribui para a construção de uma sociedade respeitosa, saudável e tolerante?

RESPOSTA

O Zen é uma fonte de experiência humana universal, o objetivo do Zen é acessível a todo e qualquer ocidental. Não se adota conceitos, símbolos, religião ou um culto que nos causa estranheza. É o lugar da própria experiência do silêncio interior, que nos liberta dos pontos de vista extáticos. É receber aquilo que o humano contém de universal.

Interior, íntimo, interno, profundo. Em torno da palavra “espiritualidade”, já escutei muitas coisas e por diversas vezes. Descobri que não é suficiente apenas fechar os olhos para se deparar com o interior ou o íntimo. Durante a oração apenas repetia as palavras, mas eu não estava em contato com meu interior. Isso se fazia presente na minha cabeça. Era melhor então aderir um sistema de crenças e adaptar-se a um código de comportamento moral. Fiquei bem, mas corri o risco de excluir algo mais profundo. A dimensão emocional e a multiplicidade de movimentos que meu corpo fazia com toda a sua riqueza eram muito fortes e impunha comportamentos que deixavam rastros de vazio e insatisfação. Eles eram, para mim, a entrada no amor, na paz, sabedoria e misericórdia.

Depois de um longo período da minha vida, conheci uma pessoa excepcional: Marco Vinício Rueda. Um padre jesuíta equatoriano. Encontramo-nos depois de visitar o mestre Karlfried Graf Dürckheim na Floresta Negra, sul da Alemanha, ele me convidou a descobrir uma prática que me daria ingresso ao interior, ao íntimo, ao mais profundo. Fui iniciado num exercício através do qual me sentava e nada fazia, e sempre que me sentava acontecia algo. Sem conceitos. Apenas a experiência.

Minha própria tradição espiritual, com sua origem em Jesus, salienta que o importante não é clamar "Senhor, Senhor", mas "fazer a vontade de Deus." Um mestre da minha tradição já tinha entendido que a Divindade é o além do íntimo “além das profundezas interiores". Então, encontrei uma maneira de fazer essa viagem sem sair de casa, e embarcar foi o vislumbre da fonte de água que jorra no meio do deserto sedento para a vida eterna. Quando uma fonte é encontrada e a água é bebida, não se volta a ter sede.

Na tradição Zen o âmago é chamado de “ser iluminado”, o que todos nós somos, é o que devemos buscar para alcançarmos a vida como ela é. Vim a entender o que é natureza buda. Prática contínua. Paciência. O professor Dürckheim dizia: as primeiras 100 horas de prática são emocionantes, as seguintes 1.000 são irritantes, mas apenas nas 10.000 horas seguintes acontece alguma transformação.

Esta descoberta deve vir acompanhada de um compromisso de labor. Perseverança, paciência, e deixar que tudo isso flua. Assim, a luz começa a vir como um eterno amanhecer que leva muitas horas para começar a filtrar as pequenas chispas de luz que gradualmente permitem perceber os contornos de tudo ao redor. A sabedoria torna-se gradativamente um caráter que não determinamos, um pensamento que surge e germina de uma pequena semente, uma paz instalada sem aviso prévio, um resultado que não se espera.

Então, comecei a entender algumas passagens importantes de Jesus quando ele descreve o que acontece em nosso meio quando este “crescer”, este “amanhecer” está incidindo. A possibilidade de se tornar fermento, luz e sal. Levedura que põem o espírito, a alma, no interior da massa. Luz que permite se mover na vida como ela é e tomar decisões responsáveis e criativas. Sal levando à descoberta de alegre sabor na vida cotidiana. Isso foi o que deu sentido pleno à vida diária. Essa é uma opção urgente no meio deste querido país imerso numa crise dolorosa de guerra e pobreza de milhões de irmãos. O ingresso é feito com o coração, compaixão, e misericórdia: ver o outro e enxergar o que afeta sua existência, para que o positivo se manifeste e remova os obstáculos para a promoção das qualidades benéficas.

Chegar ao íntimo, é chegar a compreensão que a essência do “eu” é realmente a essência de “nós”. Por todas estas razões, acho que as pessoas podem se aproximar do Zen sem que suas crenças sejam violadas ou com a ideia de que para praticar o Zen seja necessário mudar de religião, de modo que este exercício colabora para a construção de uma sociedade mais saudável, respeitosa, tolerante e solidária.

O Pe. Jorge Julio Mejia participou como palestrante de um dos foros do “3.Encontro Zen Latino Americano: Caminho de Transformação” realizado em Bogotá em 2016. 



Pe. Jorge Julio Mejía SJ, é um sacerdote Inaciano da Companhia de Jesus. Começou sua prática de Zazen em 1991 através do Pe. Marco Vinício Rueda, S.J. Desde então mergulhou  no Zen graças a alguns professores e ao sesshin que participou orientado por Denso Hozoumu Roshi. Sua prática faz parte da tradição do psicólogo Karlfried Dürckheim Graf e Hugo Enomiya-Lasalle S.J, praticantes de origem alemã que iniciaram a introdução do Zen no Ocidente, conectando-o à espiritualidade cristã. Segundo ele, "o encontro com o Zen trouxe à existência um caminho de desenvolvimento interior e contato com a fonte da vida e sabedoria" completa "a transformação da vida pessoal é um evento que ocorre sem qualquer objetivo de busca", é como diz Santo Agostinho: "No mais íntimo do meu íntimo está Deus"

segunda-feira, 12 de junho de 2017

THOMAS MERTON OCSO - O TAO DE CRISTO



O cap. 67 do Tao Te Ching é um dos mais profundos e mais próximos do Cristianismo. No Tao, "que mais estranho que qualquer coisa na terra", encontram-se três tesouros: a misericórdia, frugalidade, e o não querer ser o primeiro no mundo. E contém esta afirmação extraordinariamente profunda:

porque sou misericordioso, posso ser valente
pois o céu virá em socorro do misericordioso
e o protegerá com sua misericórdia

Ouvem-se ecos do Evangelho: "Bem aventurados os misericordiosos..." "o amor perfeito lança fora o temor". Ao comparar a tradução do dr. Wu com a de Lin Yutang, na edição de Lao Tzu pela Modern Library (outra tradução extremamente interessante, com passagens paralelas do poeta e sábio Chuang Tzu), encontramos novas perspectivas. (Muitas vezes é necessário ler a tradução de um texto chinês em duas ou mais versões.)

quem desiste do amor e do destemor
desiste da moderação e guarda poder
desiste de seguir atrás e corre na frente
este está perdido!
pois o amor é vitorioso no ataque
e invulnerável na defesa,
o céu arma com amor
aqueles que não quer ver destruídos

A palavra que Lin Yung traduz por "amor", e o dr. Wu por misericórdia, é, de fato, o amor compassivo da mãe pelo filho. Mais uma vez, o sábio r o governante prudente são homens que não correm à frente para se engrandecerem a si mesmos, mas cuidam, com solicitude amorosa, da realidade "sagrada" das pessoas e das coisas que lhe foram confiadas pelo Tao.



Thomas Merton  
Místicos e Mestres Zen  
AMOR E TAO 
pág. 84-85.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

PE. LUCIANO MAZZOCHI - A PIA BATISMAL E O TSUKUBAI


O "tsukubai" é um elemento muito importante nos templos xintoístas e budistas do Japão. Além dos locais religiosos, o “tsukubai” ornamenta muitos jardins de instituições civis - escolas de cerimônia do chá e residências, como expressão de uma sensibilidade espiritual própria e independente de qualquer filiação religiosa. Os japoneses que moram nas ilhas cercadas pelo oceano pacífico, nos períodos sazonais das chuvas de monção, desenvolvem uma relação de reverência e intimidade com a água. A água é a graça; o tsukubai é o altar.

O “tsukubai” geralmente é feito a partir de um bloco de granito, com uma cavidade aberta na superfície central superior, para receber a água. A água flui por um canal de bambu, dessa forma é direcionada para o interior do “tsukubai”. A água é de preferência das chuvas da primavera. Em alguns lugares, o “tsukubai” é coberto por um telhado simples, e cercado por pequenas pedras e um jardim.

O “tsukubai” é o primeiro lugar "sagrado" por onde o visitante passa antes de entrar no espaço interno de um templo ou de uma residência. O visitante usa uma longa concha de bambu que fica reclinada no “tsukubai” chamada “hishaku”. Com essa concha a água é recolhida e derramada na mão esquerda, purificando-a. Então, com mão esquerda, um pouco de água é despejada sobre a mão direita, purificando-a também. Do mesmo modo, a água recolhida com o mesmo "hishaku" e é despejada na mão para ser bebida, purificando o interior do corpo. Se necessário, o “hishaku” é lavado e colocado de volta com a cavidade reclinada na superfície do “tsukubai”, e assim, disponível para o próximo visitante. 

Os exemplares de “tsukubai” mais venerados, tem nas quatro extremidades alguns kanjis entalhados. Na verdade, a forma central quadrada na pedra reproduz o kanji "kuchi- boca” 口. Isso não é por acaso, mas sim o primeiro ensinamento do “tsukubai”.


Os quatro kanjis são:

• 吾 ware: louça
• 唯 tada: apenas, somente
• 足 taru: ser suficiente, bastar, valer a pena, merecer
• 知 shiru: saber - sei

A frase que se obtém é “taru tada ware shiru”. A tradução em língua portuguesa fica assim: “o que se tem é tudo que se precisa”. O “tsukubai” está sempre cheio, porque recebe água ininterruptamente e, em seguida, deixa tudo fluir. O templo, a cerimônia do chá, o jardim de areia, o bosque de bambu, as pessoas que se deslocam para se purificar e rezar, tudo é preenchido na fluidez das coisas que mana e se modifica. Tudo é a celebração da presença e da partilha, sem se fechar a nada, mas deixando tudo fluir livremente de acordo com a lei da impermanência, assim como o canal de bambu que despeja água na pedra. O fluxo da água e a resistência da rocha: o “tsukubai”.

Na tradição católica, um elemento cristão que se comunica com o “tsukubai” é a pia batismal, especialmente se escavada numa rocha como no batistério da Basílica de São Pedro e São Paulo Agliate (Brianza), onde a água batismal brota da própria rocha. No Japão, muitas igrejas católicas adotaram o “tsukubai” como repositório de água benta. Da contemplação do “tsukubai” e do batistério escavado na rocha, brota a esperança, a oração, que é a restauração da liturgia,  a missão da água benta como memória da doçura da cena  em que Jesus desceu ao Jordão, e pelas mãos de João Batista foi mergulhado nas águas correntes do rio. Então, do céu veio a voz: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3:17).

Luciano Mazzocchi, é missionário Jesuíta Xaveriano nascido na Itália, viveu durante vinte anos (1962-1982) no Japão, estudou as tradições religiosas e a cultura do país. De volta à Itália, fundou com o monge Zen Jiso Forzani, a sangha "Estrela da Manhã", local de diálogo entre os Evangelhos de Cristo e o Zen Budismo. Em 2008 fundou a associação "Evangelho e Zen", com sede em Desio, Brianza. É o autor de vários livros, dentre os quais se destaca “O Evangelho de João e o Zen”; “O evangelho e o Zen. Diálogo como caminho religioso” (com AM Tallarico); “As ondas e o mar. A aventura de um cristão no diálogo com o Zen”.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

SHIZUTERO UEDA - OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO....


“Olhai as aves do céu...
Olhai os lírios do campo”

(Mt 6, 26s)

“Ao Zen não interessa tanto uma prescrição teórica para a existência através da rosa, não interessa o modo pelo qual o ser humano deve ser, mas sobretudo a experiência imediata que envolve o ser tocado pelas coisas. Um mestre Zen procederia de modo diverso (daquele do evangelista). Diria simplesmente ao discípulo: ´Olhai os pássaros no céu! Olhai os lírios no campo`, sem acrescentar nenhuma prescrição. Ele não ensina aquilo que deveríamos, ao contrário, aprender diretamente dos pássaros e dos lírios. A presença dos pássaros em voo e a presença dos lírios em flor rompem com o fechamento no eu, podendo revelar o início decisivo da verdadeira vida”.


Shizutero Ueda é filho de sacerdote budista, estudou filosofia na Universidade de Kyoto, e teve Keiji Nishitani como orientador das suas pesquisas. Viajou para a Alemanha, e finalizou seu doutorado na Universidade de Marburg, com a tese sobre a mística cristã de Meister Eckhart. Retornou à Universidade de Kyoto para ensinar Filosofia da Religião. Mais tarde, se especializou no pensamento de Kitaro Nishida. Sendo um praticante Zen, Ueda - como Nishida - estudou o Zen sob as categorias filosóficas ocidentais. É considerado membro da terceira geração da Escola de Quioto.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

THOMAS MERTON OCSO - SÃO FRANCISCO XAVIER E O ZEN



[...] São Francisco Xavier escreveu: 

"Conversei com vários bonzos cultos, especialmente com um que é muito considerado aqui por todos, tanto por sua sabedoria, sua conduta e sua dignidade como por sua venerável idade de oitenta anos, Seu nome é Ninshitsu, que significa "Coração da verdade" em japonês. Ele é, entre eles, como que um bispo, e, de acordo com o seu nome, é realmente um homem abençoado... É uma maravilha que esse homem seja para mim um tão bom amigo".

Thomas Merton - Místicos e Mestres Zen, pág.9

quarta-feira, 24 de maio de 2017

A REGRA DE SÃO BENTO E O ZEN BUDISMO




Nas últimas três semanas compreendi que o cerne da vida monástica é um arquétipo. Surgiu então a questão: o que está no coração dos orientais e dos ocidentais que anseiam e procuram "a unidade", ou o “satori” no Budismo ou na mística Cristã? Não pretendo responder essa pergunta, mas sei que a minha estadia em três mosteiros budistas diferentes nas últimas três semanas mostrou-me que a rotina dos mosteiros asiáticos, não é tão diferente dos mosteiros do ocidente, afora talvez porque nossos irmãos e irmãs japoneses tenham mais disciplina.

No início do livro “Dharma de S. Bento”, lê-se:

Com o quê os budistas se deparam na Regra de S. Bento, se não estão habituados a ela, porque consideram  as "Regras" surpreendentemente familiar? Tem a ver com a ideia de “treliça”. O Dharma é comumente traduzido como "ensino ou lei natural", mas a raiz do significado da palavra em pali ou em sânscrito, significa "apoio, ou aquilo que sustenta". De certa forma, então, o Dharma é uma espécie de “treliça” que comporta o despertar. Tanto a Regra de S.Bento como o Dharma de Buda são, como diz Norman Fisher, "orientações gerais para o caminho interno". Essa é provavelmente a razão pela qual eu encontrei a vida nos mosteiros budistas surpreendentemente familiar. Meu relato, portanto, consistirá em uma série de citações da Regra de S.Bento. Será a "lente" através da qual vou olhar para as minhas próprias experiências aqui no Japão.

Prólogo da Regra de S.Bento:Levantemo-nos então finalmente, pois a Escritura nos desperta dizendo: "Já é hora de nos levantarmos do sono". E, com os olhos abertos para a luz deífica, ouçamos, ouvidos atentos, o que nos adverte a voz divina que clama todos os dias: "Hoje, se ouvirdes a sua voz, não permitais que se endureçam vossos corações": O argumento "estar desperto" é muito relevante para a tradição Zen Budista.

O Prólogo da Regra: “Estabeleceremos uma escola de serviço ao Senhor.” Fui informada que a maioria dos monges que vivem nos mosteiros Zen Budistas estão lá apenas por um tempo limitado, ficou claro para mim que são pessoas que está em treinamento. Estão sendo formados para exercerem o sacerdócio. Em outras palavras, é diferente dos monges ocidentais que moram num mosteiro por um longo tempo.

Capítulo 5 - Sobre a Obediência: Pois são esses mesmos que, deixando imediatamente as coisas que lhes dizem respeito e abandonando a própria vontade, desocupando logo as mãos e deixando inacabado o que faziam, seguem com seus atos, tendo os passos já dispostos para a obediência, a voz de quem ordena. 

Permitam-me um comentário engraçado: na nossa segunda ou terceira noite em Sogen-ji nos juntamos à sangha para o Zazen às 17:30, e estas sessões duram até às 21:00. Naquela noite eu estava cansada, tive um dia cheio e estava muito difícil sentar-se por um longo período de tempo. Eu, portanto, tomei a decisão de deixar o Zendo em um dos intervalos e fui para a cama. Ótima escolha, pensei, enquanto me preparava para dormir. Rapidamente caí num sono profundo quando um de nossos instrutores me acordou, e me informou que eu não deveria deixar o Zendo no meio de um Zazen e que o Roshi voltava em breve; eu deveria estar lá sentada no meu lugar até ele voltar. Houve um momento em que lutei internamente, mas depois voltei ao Zendo. Isso para mim foi um exemplo clássico de obediência, pois renunciei à minha própria vontade.

Capítulo 6 - Sobre o Espírito do Silêncio: Com efeito, falar e ensinar compete ao mestre; ao discípulo convém calar e ouvir.

Em Tenne-ji, não só experimentávamos o silêncio nas refeições ou quando andávamos de um lado para o outro para o Zendo ou para o serviço matutino, também durante o samu da manhã e da tarde. Se estávamos puxando ervas daninhas com dez outras monjas ao nosso lado ou fazendo um projeto de costura todas juntas em um quarto, não houve conversa paralela, exceto o necessário. Em nossa última tarde fomos ao castelo de Gifu em três carros. Houve alguma conversa, mas apenas para fins informativos, como a hora que seria o almoço ou qual seria a hora do banho.

Capítulo 22 – Como devem dormir os monges: Se for possível, durmam todos num mesmo lugar; se, porém, o número não o permitir, durmam aos grupos de dez ou vinte, em companhia de monges mais velhos que sejam solícitos para com eles. Esteja acesa nesse recinto uma candeia sem interrupção, até o amanhecer. Durmam vestidos e cingidos com cintos ou cordas, mas de forma que não tenham, enquanto dormem, as facas a seu lado, a fim de que não venham elas a ferir, durante o sono, quem está dormindo;

Vimos isso com nossos próprios olhos em Tenne-ji. Porque nós três ficamos do lado de fora do Zendo cerca de cinco minutos antes do sino tocar, nós observamos as residentes, tinham ido dormir vestidas, se apressando para ir ao banheiro, lavar os rostos, e vestir o resto do hábito antes de voltar ao Zendo.

Capítulo 48 - Sobre o trabalho manual cotidiano: A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual. Pela seguinte disposição, cremos poder ordenar os tempos dessas duas ocupações.

Portanto, as irmãs devem estar ocupadas em certos momentos com trabalhos manuais. São verdadeiramente monjas quando vivem do trabalho de suas mãos. Devo humildemente admitir que, para mim, fazer qualquer trabalho manual durante três horas pela manhã e duas horas e meia à tarde foi um desafio, principalmente físico, mas também um exercício de obediência. No entanto, ao olhar para trás, percebo que aprendi muito sobre mim mesmo, e posso certamente ver os benefícios de fazer algo coletivo em silêncio. A sangha em Tenne-ji é extremamente admirável, fazem projetos em conjunto, constroem o sentido de comunidade. Todos trabalham para a mesma causa, que é a vida em comum. Infelizmente, no mosteiro em que vivi, desistimos de fazer trabalhos manuais juntas. Fazemos algum trabalho manual, mas raramente juntas como uma sangha. Uma das razões, naturalmente, é que somos um grupo muito grande (280), mas acredito que exista uma comunhão espiritual quando envolvidas em um projeto juntas. Estou pensando em algumas de nossas irmãs que trabalham juntas no jardim à noite.



Capítulo 53 - Recepção dos hóspedes:  Logo que um hóspede for anunciado, corra ao encontro do superior ou dos irmãos, com toda a solicitude caridosa; primeiro, rezem em comum e assim se associem na paz. Não seja oferecido esse ósculo da paz sem que, antes, tenha havido a oração, por causa das ilusões diabólicas.  Nessa mesma saudação mostre-se toda a humildade. Todos os hóspedes que chegam e que saem, faça reverências, com a cabeça inclinada ou com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa deles. Quando chegamos a Tenne-ji, Shika-san primeiro nos acolheu prostrando-se ao chão, e então, quando toda a comunidade se reuniu, tomamos chá. Quando visitamos Hozumi Roshi, ele acolheu-nos, e nos levou para o seu templo, demorou alguns minutos para mostrar-nos o espaço e, em seguida, nos reunimos no Zendo para o Zazen.

Capítulo 63 - Sobre a Ordem na comunidade: Conservem os monges no mosteiro a sua ordem, conforme o tempo que têm de vida monástica, o merecimento da vida e conforme o Abade constituir.

Parte de nossa estadia em Ten'ne-ji andaríamos e sentaríamos com disciplina. Quem era o mais velho entre nós? Era bastante evidente, tanto em Sogen-ji como em Tenne-ji, quando os monges se sentavam à mesa, por exemplo, é um momento muito importante. Havia uma hierarquia a seguir e respeitar, e as pessoas precisavam ser lembradas disso de vez em quando.

Capítulo 63 (continuação): Em qualquer lugar em que se encontrem os irmãos, peça ao mais moço bênção ao mais velho. Passando um mais velho, levante-se o mais moço e ceda-lhe o lugar, e não presuma o mais moço se assentar junto, a não ser que convide o seu irmão mais velho, a fim de que se faça o que está escrito: "Antecipando-se mutuamente em honra". 



Eu vi dois exemplos disso em Eihei-ji. Uma noite no Zazen testemunhei um monge novato ajudando um monge com idade avançada a se sentar. O monge novato arrumou suas sandálias, e quando o Zazen terminou o jovem monge voltou e ajudou o ancião a calçar suas sandálias. Foi um momento emocionante, como é também quando testemunho esses momentos no mosteiro onde resido. Também observei em Eihei-ji que, se passássemos por monges enquanto caminhávamos, eles se curvavam e faziam "gassho". Embora não façamos isso no meu mosteiro em Minnesota, notei que num mosteiro beneditino de homens no Canadá os monges se curvam quando passavam pelos corredores. Em uma nota pessoal suspeitei que muitas vezes fui ajudada durante estas semanas porque eu era a "com mais idade” em relação aos membros mais novos da comunidade. Vou terminar estas observações e comentários com uma última história. Na conclusão de um serviço matinal em Eihei-ji, jovens monges vieram para a frente para fazer perguntas a Suzuki Roshi, que presidia. Achei as perguntas simples, singelas, como “o que fazer quando se está sonolento durante o Zazen”. Lembrei imediatamente de uma história dos ditos dos primeiros monges cristãos, homens e mulheres, que viveram no deserto egípcio nos séculos IV e V. Com perseverança, muitos deles se tornaram santos e santas. Com o tempo, foram acompanhados por seus discípulos. Seus discípulos chamavam-nos de Abba e Amma e pediam conselhos. Aqui está a história de um bom "conselho": Alguns monges foram até Abba Poemen e lhe disseram: "Quando vemos os irmãos dormindo durante a Liturgia das Horas, como acordá-los para que estejam atentos?" Ele respondeu: "De minha parte, quando vejo um irmão cochilar, coloco a cabeça dele sobre os joelhos e o deixo descansar.” Para concluir, estou convencida de que, nas próximas semanas e meses, enquanto continuar refletindo sobre esta experiência extraordinária, as pérolas se revelarão uma a uma. Em relação a isso aprendi muito sobre a vida em mosteiros Zen Budistas, tenho me aprofundado em meu coração monástico. Volto ao meu mosteiro de origem com renovado vigor, fidedigna à vida a qual fui chamada e ao qual respondo.


O Zen visto através da ótica da Regra de S.Bento 

[1] Dharma de S. Bento: budistas refletem sobre a Regra de S.Bento, ed. Patrick Henry (Riverhead, 2001).


Irmã Hélène Mercier OSB, é monja do Mosteiro Beneditino de São José, Minnesota, é secretária executiva do Conselho da Comissão Norte-Americana de Diálogo Inter-Religioso. Irmã Hélène começou sua vida monástica no Convento Beneditino de Montreal, fundado por Dom John Main.

terça-feira, 23 de maio de 2017

6. GRAVURA - AS DEZ GRAVURAS DE DOMAR O TOURO DE KAKUAN PARA CRISTÃOS

O confronto terminou.
Ganhar ou perder já não importam.
Cantarolando músicas campestres dos lenhadores e entoando canções simples de crianças do campo, monta as costas do touro, seus olhos fixos em coisas não da terra, mas do céu.
Mesmo que seja chamado, não virará a cabeça. 
Por mais que seja atraído não voltará mais.

trad. Monja Coen

6. gravura do Jugyuzu - "As dez gravuras de domar o touro" de mestre Kakuan Shion Zenji. As dez gravuras representam os degraus que levam ao despertar da consciência.



Na sexta gravura, quando o pastor volta para casa tocando sua flauta alegremente, o cristão que reza a Deus sem distrações encontra seu "lar espiritual" (o reino de Deus) e a paz plena.

“E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. E achando-a, convoca os amigos e vizinhos, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida.”

Lucas 15:6-9

“Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa.”

João 15:11

Através da experiência contemplativa diligente, o cristão alcança o plano de autodomínio e perfeição.  A prática da perfeição por meio do autocontrole espontâneo, pode ser comparada a “montar no touro sem dificuldade”. Este avanço vem depois de batalhas ardentes em querer apreciar a Deus de modo profundo, em estar consciente da sua Natureza-Buda em cada ação e pensamento. Por meio da sabedoria, a ignorância do praticante é treinada e diluída. Neste "montar o touro", os cristãos devem compreender como o Zen explica o autoconhecimento. Do ponto de vista do Zen, o autoconhecimento é a abertura dos portões do coraçãomente para o reconhecimento dos próprios dons, das disposições e da percepção da sua própria capacidade ilimitada, bem como também das suas fraquezas. O autodomínio significa viver uma vida no presente momento, unida ao “vazio” de um falso “eu”. Além disso, através da experiência da unicidade durante a prática contemplativa, os cristãos têm a oportunidade de compreender que a jornada individual é seguida por dons espirituais, como liberdade e alegria. No entanto, o amor e a alegria não são experimentados como um "lugar espiritual" original, até que se alcance a consciência de Deus. Através da transcendência sob a graça do Espírito Santo, a prática contínua na presença de Deus ajuda o praticante a descobrir o caminho de estar cada vez mais próximo da morada de Deus.



do artigo: "Aprendizagem de uma vida cristã contemplativa através das "Dez gravuras do touro e o pastor."

Jaechan Anselmo, entrou para a abadia beneditina em Waegwan na Coréia do Sul em 1991. Depois de sua ordenação sacerdotal em 2001, foi diretor de vocações e dirigiu o programa de experiência monástica para a juventude. Atualmente pesquisa a obra de Thomas Merton e o diálogo monástico inter-religioso. Em 2006, publicou o livro, “Ação e Contemplação ” como entendido no Salmo 131.