quinta-feira, 22 de março de 2018

PE. HANS WALDENFELS SJ - ZAZEN E CRISTIANISMO SÃO COMPATÍVEIS?



Ao contrário do Islã, o Budismo é apresentado ao público num tom mais equilibrado. Mesmo hoje, em uma época caracterizada por fanatismos e discussões acaloradas, isso oferece caminhos alternativos para àqueles que estão num processo de busca espiritual. Tanto que, em muitos setores da vida cotidiana da Igreja, não existe atrativos ao silêncio e à meditação. Dentro da Igreja, existem muitas oportunidades de estudo, e são raras as inspirações de origem oriental. Nesse sentido, além da simples atração pelas práticas orientais, são utilizados elementos particulares. Propomos aqui compreender a meditação budista e, em particular, falar do treinamento Zen, como são praticados pelos budistas e, principalmente, pelos cristãos. Uma das razões que nos levou a encarar essa questão, foi o seu caráter espiritual, que chegou ao Ocidente por meio do Zen japonês, enquanto que o Yoga, mais aceito em ambientes seculares, foi considerado uma forma "psicossomática". Além disso, o uso da palavra “Zen” está na moda, e se estende às inúmeras implicações, guardada as proporções, a "professores" que se definem como tal, e que possuem certo prestígio. Por outro lado, hoje não é aceitável a superficialidade que nos séculos passados foi julgado o que era heresia e o que não era, sobretudo, porque é indispensável distinguir entre teoria e prática.

CONHECIMENTO DA RAZÃO

Atualmente, além do conhecimento lógico – todas as culturas podem se expressar por uma linguagem simples – do mesmo modo, existem formas de comunicação em que as pessoas não precisam de palavras. São Tomás de Aquino fala do "cognitio per connaturalitatem", isto é, um conhecimento baseado na igualdade e na intimidade espiritual, uma "conaturalidade". John Henry Newman recomendou o lema de seu cardeal, o ditado "cor ad cor loquitur – o coração fala ao coração". No passado, o livro do jesuíta Peter Lippert, "Da anima anima anima", foi publicado pela primeira vez em 1924, e amplamente lido. Existe um ditado japonês, "ishin denshin" (de coração para coração), derivada do Zen Budismo e refere-se à comunicação sem palavras e a transmissão direta, mente a mente. Em todos esses casos, se trata de um tipo de comunicação que não se dá por meios discursivos, mas pela intensa prática meditativa. O Zen é praticado no mundo todo. Já algum tempo buscamos respostas para saber se apenas budistas podem praticá-lo: todos nós podemos praticar. Para nós cristãos, uma abordagem aos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola (1431-1556) pode ser útil. A palavra "exercício" também será usada aqui. Um estudo mais profundo dos Exercícios mostra que paralelos estruturais podem ser estabelecidos entre o treinamento Zen e os de Santo Inácio de Loyola. Tem a ver com o fato de a prática espiritual apontar caminhos. Para Santo Inácio, no início da era moderna, estes Exercícios preparavam um percurso capaz de levar o praticante a uma consciência existencial de relação intima com Deus. Para isso, Santo Inácio deu apontamentos precisos sobre lugares e o tempo necessário para realizar esses Exercícios, descreveu ainda quais eram as competências do guia, como ele deveria se comportar, executar e transmitir cada um dos exercícios.

A INFLUÊNCIA ASIÁTICA

Muitos detalhes dos Exercícios foram esquecidos, e durante muito tempo, foram reduzidos a tópicos e palestras. Mas ultimamente mudou, e não devemos perder de vista o fato de que foi graças à influência oriental. Em muitos cursos, foram adicionados elementos “psicossomáticos”. Os grupos cresceram e se expandiram. Os “Exercícios” se tornaram um guia que aponta caminhos para aqueles que estão buscando. Do ponto de vista cristão, num momento em que o pluralismo cresce continuamente, somos chamados a fazer uma escolha pessoal. Portanto, considerando todas as formas de acesso, compartilho o que Karl Rahner considerou ao final da sua busca, que é o modo que Jesus Cristo nos indicou, que temos mais certeza, e que nos leva a entender o significado de nossa existência. "Amor" e "serviço" são duas palavras que nos últimos tempos estão cada vez mais inseparáveis do eixo da essência cristã, resumindo-se num denominador comum simples e facilmente compreensível.  Não se trata de palavras, mas sobre colocar essas palavras em prática. Em certo sentido, o silêncio antecede as palavras.

DIÁLOGO ENTRE BUDISMO E CRISTIANISMO

O amor altruísta está sintetizado em uma única palavra, que inspira o diálogo entre o Budismo e Cristianismo, e cria novos espaços para o diálogo que queremos fazer, nas palavras de São Paulo, a 'kenosis' divina da encarnação de Jesus. Em Filipenses (2:5-8), a passagem nos convida a seguir o Cristo, Paulo diz: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Paulo afirma que Cristo 'heauton ekenōsen', "ficou vazio", "esvaziado". Entretanto, o termo "vazio" não pode ser entendido aqui em sentido literal. Mestres Zen e o filósofo Keiji Nishitani, reconhecem a proximidade de tal conceito, com o conceito fundamental da espiritualidade e pensamento budista, e sobre qual seus pensamentos continuamente se voltam: 'shunyata', "vazio". A palavra em si não vem diretamente do Zen, mas pertence a um erudito indiano e místico do segundo século. Nāgārjuna, a quem nós devemos à formulação da grande herança da natureza budista. Os termos, que também têm significados filosóficos, são usados principalmente para a prática espiritual.

CORTE DO DESAPEGO

O Zen Budismo lida substancialmente com o processo de "esvaziamento", um corte radical que afasta os apegos, conhecido como "vazio". O vazio não é um objeto de reflexão, mas um processo que traz à mente a sabedoria, isso se aplica à linguagem de místicos cristãos como São João da Cruz e Teresa de Ávila, e os alemães, como Mestre Eckhart. A escassa formação filosófica e psicológica levou alguns instrutores de meditação cristã a conceituações simplórias. Não é de se admirar, que para eles falar de Deus, acabe no impessoal, e que a pessoa de Jesus – o Jesus histórico – não tem nenhum interesse, e de modo particular, tenha se transformado num princípio cósmico. Aqui o sofrimento na cruz é uma barreira que não deve ser evitada. E essa verdade é evidenciada, por um lado, de que olhar pra cruz é chocante para os não-cristãos e, por outro lado, num momento considerado “depois de cristo”, muitos cristãos se esforcem para tirar a cruz da vida diária, e para muitos jovens, a cruz se tornou um simples objeto de adoração sem muito valor. Precisamos ser realmente cristãos, devemos ter uma posição diante da cruz. Porém, no campo da linguagem espiritual, o discernimento de ação feito no silêncio é verdadeiro. No Julgamento Universal de que fala Jesus em Mateus 25, 34-46, o que verdadeiramente conta é a dedicação altruísta, o compromisso amoroso com o próximo. Ao término dos 'Exercícios Espirituais', a vida de introspecção continua integrada, tolerante, e de um certo ponto de vista, não se fala de uma vida iluminada vivida no espírito. No diálogo Budista-Cristão, a verdadeira iluminação não é sectária, não está separada. Pelo contrário, convida os interessados a se dedicarem completamente à compaixão, e ao mundo não-iluminado.

(*) Artigo original publicado no L'Osservatore Romano. Tradução de New Life.

Hans Waldenfels, (Johannes Bernhard Maria Waldenfels), nasceu em 20 de outubro de 1931 em Essen, Alemanha. É um teólogo da Companhia de Jesus.  De 1960 a 1964,  curso Teologia na Universidade Católica de Sophia, em Tóquio. Nesse meio tempo, foi ordenado sacerdote em 1963 e foi convidado pela Universidade Imperial de Kyoto em Takeuchi Yoshinori. De 1965 a 1968, Waldenfels fez seu doutorado na Gregoriana (Roma) e na Universidade de Münster . Sua tese, publicada em 1969, foi baseada em Karl Rahner e leva o título de "Revelação". 

sábado, 17 de março de 2018

PE. JOSÉ BIZON - DISCURSO NO EVENTO "LOVE AND PEACE PRAYER CONCERT" NA CHINA


Senhores e Senhoras

Hoje 25 de Dezembro (2017) é um dia especial para a Igreja Católica. Celebramos o nascimento de Jesus Cristo. O evangelho de São Lucas nos relata a beleza e a simplicidade do nascimento de Jesus. A grandeza de Deus que se esconde em sua humildade, sem lugar na casa, resta-lhe a sensibilidade da gruta de Belém. Nasceu para nós o Salvador, que vem trazer alegria, paz e esperança. Hoje é um dia também especial, e um dia de muita alegria por este encontro entre budistas, católicos e membros de diferentes pertenças religiosas neste local tão especial. No Brasil temos uma amizade de muitos anos, a Igreja Católica celebra hoje e hoje nos unimos nesta data, budistas e católicos, no nascimento de Jesus e o aniversário de inauguração do Memorial de Buda. As diferenças religiosas não devem ser fontes de divisões, mas sim uma força em prol da unidade da tolerância e da sábia construção da nação. As religiões podem também, ajudar a extirpar as causas dos conflitos, construir pontes de diálogo, procurar a justiça e ser uma voz profética para as pessoas que sofrem. No dia 27 de Outubro de 2017, no Templo Zulai de Cotia, em São Paulo, budistas e católicos assinaram um acordo de paz, afirmando diante do quadro de individualismo, intolerância, desrespeito, violência, descaso com a pessoa e a natureza, em que a humanidade se encontra, manifestam seu compromisso com a justiça e a paz entre todos os povos. Como budistas e católicos, queremos trabalhar juntos para manter o equilíbrio e a cultura de paz em benefício da vida num só e mesmo mundo. Marcado por respeito, somos chamados: católicos e budistas, ao empreendimento comum, estudar as causas da violência, ensinar os nossos respectivos seguidores a combater o mal em seus corações. Libertar do mal tantas vítimas, como aqueles que praticam a violência. Formar os corações e as mentes de todos, especialmente as crianças. Amar e viver em paz com todos e com o meio ambiente. Ensinar que não existe paz sem justiça, nem a verdadeira justiça sem o perdão. Convidar todos a colaborarem para prevenção dos conflitos nas construções das sociedades fragmentadas. Encorajar os meios de comunicação social a evitarem e combaterem discursos de ódios, relatórios unilaterais e provocatórios. Fomentar as reformas no campo da educação, para prevenir a deturpação e a má interpretação da história, e dos textos das sagradas escrituras. E por fim, rezar pela paz no mundo, percorrendo juntos o caminho da não violência. Faço votos que budistas e católicos, membros de diferentes tradições religiosas, e pessoas de boa vontade se unam e diante de tantas situações que geram tristezas, angustias, morte e destruição do meio ambiente possam juntos transformá-las, afim que haja vida e vida em abundância para todas as pessoas, e assim também, no meio ambiente de nossa casa comum, seja preservada e mantido de forma saudável. Como nos disse São Francisco de Assis, Senhor, fazei de mim um instrumento de tua paz, Amém. Muito obrigado.

Discurso do Padre José Bizon, responsável pelo ecumenismo e diálogo inter-religioso da Arquidiocese de São Paulo, no evento "Love and Peace Prayer Concert" realizado no Fo Guang Shan Buddha Memorial Hall, Taiwan , República da China.

巴西聖保羅大教堂法務司長José Bizon 於佛陀紀念館2017世界神明聯誼會 - 2017愛與和平祈福音樂會中致詞

Pe. José Bizon, é mestre em Ecumenismo pela Pontifícia Universidade Santo Tomás, de Roma; assessor da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB; membro da equipe de coordenação do Movimento de Fraternidade de Igrejas Cristãs (Mofic) e da Comissão Nacional Anglicano-Católica Romana (Conac); coordenador da parte católica na Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-Judaico (DCJ) e da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso do Regional Sul I. É também responsável pelo Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de São Paulo. Professor na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Pontifícia Universidade Catolica em São Paulo (PUC-SP).

quinta-feira, 15 de março de 2018

CAMINHOS DA SABEDORIA, PRIMEIRO CAMINHO PEREGRINO DE DIÁLOGO CRISTÃO-BUDISTA


O Caminho

O circuito Caminhos da Sabedoria é um diálogo entre o Budismo e o Cristianismo. O município de Ibiraçu, por si só, já consagra este laço entre as duas religiões, pois abriga o Santuário Diocesano Nossa Senhora da Saúde, sinal da fé católica que chegou com os imigrantes italianos no final do século XIX, e o Mosteiro Zen do Morro da Vargem, primeiro mosteiro budista de toda a América Latina, fundado em 1974.

Caminhos da Sabedoria é um circuito de peregrinação espiritual marcado por igrejas, capelas e templos, além das belas manifestações da Mata Atlântica. É um percurso para ser feito com espiritualidade, em busca da real sabedoria.

Em uma caminhada realizada em 1987, o Monge Daiju, atual responsável pelo Mosteiro Zen Morro da Vargem, tinha, entre seus objetivos, agradecer ao cristianismo e, em particular, ao catolicismo, por todos os ensinamentos recebidos na infância e adolescência. O projeto pessoal desencadeou a formação inicial do Caminhos da Sabedoria como um circuito espiritual que valoriza as a natureza, a espiritualidade e a conscientização ambiental.

Sobre o percurso

Quem passa pela BR101 Sul encontra, imponente e iluminada, a Matriz de São Marcos, uma das imagens mais conhecidas do município de Ibiraçu. Ela é o ponto de partida do circuito Caminhos da Sabedoria, que completa seus 108 quilômetros assim que o participante chega ao Santuário Diocesano Nossa Senhora da Saúde. Durante o trajeto, o caminhante será acompanhado de lindas paisagens naturais no interior de Ibiraçu, do contato com a vida interiorana e, de maneira privilegiada, do contato com si próprio, em um tempo reservado ao autoconhecimento e reflexão interior.

 Ao todo, são 23 pontos de referência histórica, 21 capelas e igrejas, além do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Saúde e do Mosteiro Zen Morro da Vargem - maiores símbolos de fé e espiritualidade regionais. O cenário proporciona uma verdadeira viagem pelo tempo, atravessando fazendas centenárias, matas, cachoeiras, igrejas e antigas e estações ferroviárias.

O percurso é sinalizado por placas e totens que indicam a distância já percorrida e a localidade atual, proporcionando pontos de referência ao caminhante durante todo o trajeto.

Etapas
- A caminhada é dividida em um quatro etapas para que facilitar a orientação do participante.
- Matriz de São Marcos até Pedro Palácios.
- Pendanga a Rio Lampê
- Rio Lampê a Santo Antônio
- Santo Antônio ao Santuário de Nossa Senhora da Saúde.


MONJA COEN ROSHI - 108 CONTOS E PARÁBOLAS ORIENTAIS (APENAS DUAS PALAVRAS)


Havia um mosteiro muito rígido. Seguia um estrito voto de silêncio, a ninguém era permitido falar. Mas havia uma pequena exceção a essa regra: a cada dez anos os monges tinham permissão de falar apenas duas palavras. Após passar seus primeiros dez anos no monastério, um jovem monge obteve permissão para ir falar ao Superior. — Passaram-se dez anos — disse o monge Superior. — Quais são as duas palavras que você gostaria de dizer? — Cama dura... — disse o jovem. — Entendo... — replicou o monge Superior. Dez anos depois, o monge retornou à sala do Superior. — Passaram-se mais dez anos — disse o Superior. — Quais são as duas palavras que você gostaria de dizer? — Comida ruim... — disse o monge. — Entendo... — replicou o Superior. Mais dez anos se foram e o monge uma vez mais encontrou-se com seu Superior, que perguntou: — Quais são as duas palavras que você gostaria de dizer, após mais estes dez anos? — Eu desisto! — disse o monge. — Bem, eu entendo o porquê — replicou, cáustico, o monge superior. — Tudo o que você sempre fez foi reclamar!  

Comentário

Definitivamente, essa não é uma história real. Não existe mosteiro onde só se possa dizer duas palavras a cada dez anos. Mas é simbólica de algo verdadeiro. Os antigos mosteiros abrigavam 800, mil e até mais de 1.500 monásticos. Conseguir uma entrevista individual com o mestre era raridade, e o tempo para estar com ele, muito curto. Mesmo em mosteiros menores da atualidade, nem sempre os monges ou as monjas podem livremente entrar na sala do mestre para receber instruções. Houve uma monja irlandesa, Jiyu Kenneth Roshi, fundadora de Shasta Abbey, na Califórnia, que morou durante alguns anos no Mosteiro-Sede de Sojiji, em Yokohama, no Japão. Ela fora ordenada pelo Zenji (abade superior). Entretanto, não conseguia entrevistas individuais com ele para ser orientada, mesmo residindo no mosteiro. Para que pudesse falar com seu mestre, combinou com ele que deixaria uma flor próximo à sua janela, para que ele a chamasse. Foi apenas assim que pôde ser orientada. Outro aspecto interessante nesse conto é que raramente as pessoas vão aos abades agradecer ou compartilhar seus estudos e ensinamentos. A maioria dos encontros é para reclamar — tanto de sua vida pessoal presente ou regressa, como das ansiedades sobre o futuro, bem como reclamar dos outros praticantes, da alimentação, do local de dormir, e assim por diante. O conto serve como admoestação: não percam a oportunidade de falar com o mestre e peçam pelos ensinamentos. Não reclamem. São Bento, fundador da ordem beneditina, deixou um livro de regras. Uma delas — parece ser a 34 — diz ser proibido resmungar. Até o murmúrio correto é proibido. Nenhuma comunidade se sustenta se houver resmungos e murmúrios. É preciso saber falar de maneira correta e com quem possa fazer mudanças, caso sejam necessárias. Mas, antes de tudo, observe se o que você vai dizer é apenas uma reclamação. Não perca tempo e procure também observar o que há de benéfico em cada situação e local. Certa feita, uma praticante que só reclamava veio me procurar, novamente reclamando, e eu disse a ela: — Durante esta semana, observe coisas boas e me traga cinco boas notícias. Terminada a semana, ela voltou. E, então, perguntei, curiosa. Ela respondeu: — Nada. Não houve nada bom. Seria possível? Houve o nascer do sol, houve o dia e a noite, houve estrelas e nuvens. Houve refeições, houve sono. Trabalho, trânsito. Tantas coisas. Mas ela estava incapacitada de apreciar a vida. Assim como o monge do conto. A cada dez anos, duas palavras. E eram apenas duas reclamações. 

capítulo 12: Apenas duas palavras, do livro "108 contos e parábolas Zen", Monja Coen Roshi.

quarta-feira, 14 de março de 2018

PE. HUGO LASSALLE ROSHI - IMAKITA KOSEN (O ÚNICO QUE RESSUSCITOU DOS MORTOS)



Este fruto do Zen, a iluminação, transcende todos os conceitos; não pode ser entendida por meio de filosofias ou pontos de vista, não tem ligação com nada disso. É uma coisa rara, que tem o poder de libertar todos os seres dos seus medos e ansiedades. Tudo cai como um trapo sujo encharcado. Mestre Dogen (1200-1253) escreveu fazendo referência à sua experiência de iluminação: "corpo e mente caídos (shinjindatsuraku)". Há muitas histórias sobre iluminação, algumas delas até de europeus. Mas vou me referir aqui, sobre o testemunho de Kosen Imakita, por ser mais ilustrativo: "Numa noite, enquanto eu estava absorto em meditação, de repente, me encontrei num estado muito estranho. Eu havia morrido. Tudo tinha sido arrancado. Não havia antes nem depois. O sujeito e o objeto, o “eu” tinha desaparecido. A única sensação foi que, o mais íntimo de mim, estava totalmente unificado e cheio do todo, acima, abaixo e ao redor. [...] Depois de um certo tempo, voltei a si como alguém que ressuscitou dos mortos. Meu enxergar, ouvir, falar, meus movimentos e meus pensamentos eram diferentes dos que tinham sido até então. Quando balbuciei falar sobre a realidade e sobre o significado do incompreensível, percebi tudo”. Não podemos expressar de forma fiel em palavras esse tipo de experiência, porque o conceito já implica uma interpretação e passa a não ser mais a verdade. Ponderando assim, pode-se dizer que a iluminação é a experiência total. Evitamos a palavra "Deus", porque está associada a muitos conceitos, com as quais concluiria essa experiência em nossas representações mentais limitadas, o que é totalmente incompatível com seu caráter ilimitado. Aquele que experimentou sabe que essa realidade existe, independentemente se as pessoas acreditam ou não. Hoje em dia, há muitas pessoas que passaram por essa total unidade do ser, mesmo sem praticar o Zen, com outras formas de meditação. No entanto, devemos acrescentar que essa experiência de total unidade, ainda não é a iluminação do Zen, mas uma determinada aparência. Essa experiência sugere simplesmente a transformação da consciência, não só no instante em que ocorre, mas também ao longo da vida, para que algo mais do que uma simples memória permaneça. Nos casos de pessoas que tiveram esse tipo de experiência sem nenhuma consciência do presente, hoje só possuem uma vaga memória. Não sabem lidar com isso; se pedem ajuda, não são entendidas, e na maioria das vezes são encaminhadas a um psiquiatra. Quando por qualquer pretexto se deparam com o Zen, e certo dia contam ao professor; depois de muitos anos, pela primeira vez pode ser que sejam ouvidas, mesmo que o mestre não reconheça a sua experiência como uma iluminação. De qualquer maneira, embora a respeite, ele irá dizer que o melhor a fazer é meditar, para tornar isso cada vez mais claro. Se seguir esta recomendação, o resultado será uma transformação gradual e constante da consciência. Atualmente é apropriado dizer entre "iluminação maior" e "iluminação menor". Embora ambas tenham a mesma finalidade, diferem-se no nível de profundidade. A iluminação maior, como a de Buda, por exemplo, certamente produziu transformações profundas nele. Digo o mesmo de Ramana Maharshi, um hindu que teve uma experiência parecida aos dezesseis anos sem qualquer preparação, e com tamanha intensidade, que demorou anos até ele conseguir se situar e voltar a ter uma relação normal com as pessoas. Então, pôde ajudá-las a realizar o caminho, até deixar este mundo há cerca de trinta anos. Quando a iluminação se torna coesa pela prática intensa, uma nova consciência surge e a pessoa não toma decisões pensando demais, mas as toma de forma imediata e segura. Então, vamos refletir no que Johann Tauler diz: "O homem instantâneo sabe o que tem que fazer, o que perguntar e o que tem de pregar".

do livro: Viver na nova consciência. 

PE.HUGO LASSALLE EM ZAZEN



Pe. Hugo Lassalle Roshi em zazen com seus alunos

segunda-feira, 12 de março de 2018

WILLIGIS JAGER OSB - ELE NASCEU (VERÃO DE 1992)


Jami, o místico Sufi, diz em um dos seus poemas: "Quem entrar na cidade do amor, só encontrará espaço de unidade". Ali não existe a palavra "eu", existe a palavra "nós", melhor ainda, só a palavra "um". Viver separados do todo é o preço que pagamos de nos tornar humanos, e sair das relações inconscientes. Ainda não sabemos como lidar com a presença de si mesmo. Isso nos levou ao isolamento. Nós construímos cercas, dizemos "meu", defendemos nossos bens e queremos tirar as coisas dos outros. Nós ainda não sabemos viver em comunidade. Este é o grande problema do indivíduo, também dos povos, e dos grupos.

Quem quiser entrar na dimensão divina (o que nós, cristãos, chamamos de "Reino de Deus") tem que atravessar fronteiras. Tem que sair do isolamento de si. Tem que atravessar um campo dualista, sem divisões, como: espírito matéria, luz escuridão, bem-mal, condenação salvação. O que chamamos "indivíduo" é falso. Experimentamos o "atemporal" quando o "indivíduo transitório" é abandonado. Este último vive às custas de separações. Mas já sabemos pela física quântica que não existe isolamento algum, que tudo flui e que apenas o ir e vir é real. "Na física quântica, o observador interage de tal maneira com o sistema, que não imagina que as partículas tenham uma existência separada" (Nils Bohr). Nos termos da espiritualidade, é a mesma coisa dizer: "Quem entra na cidade do amor, encontrará nela apenas espaço para a unidade". Lá, sua identidade se transformar em unidade, que não é senão a original realidade – Deus. É algo que nossa razão não concebe, por isso é melhor não entrarmos em discussões.

Nossa sociedade nos ensinou costumes destrutivos: o meu e o seu, a posse, o ataque violento, a conquista implacável, acumulação de bens e a proteger esses bens. Quem quer ser membro da sociedade, deve abandonar esses pontos de vistas, como uma criança. Jesus disse que devemos ser crianças, se quisermos entrar no Reino de Deus. Com a consciência de si mesmo, vivemos no engano de viver num mundo estável. Acreditamos ter segurança, graças a nós mesmos. Entretanto, em nosso íntimo, intuímos que não existe segurança, e é por isso que temos medo e buscamos desesperadamente apoio nos bens, no poder e na construção de barreiras à nossa volta.

Nossa linguagem demonstra essa alienação da unidade. Usamos palavras deludidas. Dizemos: "eu nasci". Mas, deveríamos dizer: "ele nasceu". Não é a nossa vida que vivemos, mas a vida de Deus. Isto foi entendido por Shakiamuni Buda, quando teve a experiência de iluminação. Ele disse: "eu, a grande Terra, e todos os seres, juntos, simultaneamente, nos tornamos o caminho". Percebeu que, todos os seres possuem essa natureza buda, e que cada um de nós juntos, podemos ter a mesma realização. Podemos dizer: "sou único".  Podemos dizer o que Jesus disse: "Eu e o Pai somos um". Somos simplesmente o transbordamento de Deus. Aquilo que sai, não difere do que existe dentro. "A iluminação é, ao mesmo tempo, interior e se voltar para dentro é a própria iluminação. O Uno emana de si e imprime a necessidade de retorno a si mesmo. Sempre é a unidade que emana do ser. Ego, a palavra “eu”, não quer dizer nada, existe somente Deus,  em sua unidade ".

do livro, "Partida para um novo país: experiências de uma vida espiritual".

Willigis Jager Koun-kenrepresenta a espiritualidade interconfessional. Como ex-padre Beneditino e mestre Zen Budista, sua visão é de uma espiritualidade integradora que une em si, o grande tesouro da sabedoria oriental e ocidental. Foi ordenado “Sensei” pela ordem Sanbo-Kyodan. Em 1983, Yamada Koun Roshi (1907-1989) deu a ele permissão para ensinar o Buda-Dharma. Em 1996 Kubota Roshi (sucessor de Yamada) concedeu a ele o selo “Inka Ji'un Shomei” de Roshi. Desde 2003 é diretor espiritual da Benediktushof e co-fundador do Sonnenhof, também é fundador da Linhagem “Nuvem Vazia”. Em 23 de outubro de 2009 foi certificado como sucessor 45ª da escola Linchi (Rinzai Zen).

sexta-feira, 9 de março de 2018

WILLIGIS JAGER OSB - MORTE, ONDE ESTÁ SUA VITÓRIA, O TEU AGILHÃO? (PÁSCOA DE 1995)




Nesta palestra, queria fazer algumas reflexões sobre a Páscoa. O tema é a morte e ressurreição. "Onde está, ó morte, o teu aguilhão? onde está, ó inferno, a tua vitória?" Paulo coloca essa questão na Epístola aos Coríntios (Cor 15: 55). Não sei como Paulo compreenderia essas palavras hoje, mas temos o direito de interpretar e trazer essa passagem do Evangelho para o nosso tempo, de acordo com a nossa compreensão de mundo. A compreensão de Jesus e Paulo era muito diferente da nossa. Eles provavelmente aguardaram o fim do mundo num futuro muito próximo a eles. Deste ponto de vista, a sagrada escritura foi interpretada de uma forma muito diferente da de hoje, da nossa compreensão, holística do universo. Eles falavam e escreviam muito diferente da gente. "Ressurreição" não significa uma existência ininterrupta, num tipo de céu dourado. Deus não é estático. Ressurreição significa a experiência una da origem ilimitada, sem espaço e tempo, aqui no Ocidente chamamos isso de "Deus". O objetivo, portanto, não é ser imortal, mas ter a experiência da atemporalidade da nossa natureza, que se manifesta nas mais diversas formas. A ressurreição não é algo que acontece no fim dos dias, a ressurreição é a irrupção do não nascido/não morto, apenas uma transformação das formas. A “ressurreição da carne” não significa retornar à condição humana, não importa quão etéreo a imaginemos, mas a realidade original – Deus – que se manifesta em todas as estruturas, e que é possível acessarmos. 

Há aqueles que pensam que, ao ressuscitar, a humanidade estará imersa num mingau oceânico, uma espécie de transe em que as faculdades cognitivas estarão perdidas. É o contrário disso. A unidade, o todo, não se opõe à individualidade, mas sim a maneira pela qual o ilimitado se manifesta. Portanto, a individualidade não perde seu padrão. É a expressão sem paralelos do ilimitado. Como cristãos, dizemos que fomos criados à imagem de Deus. Somos, então, manifestações individuais da realidade original, isso é a expressão de que somos especiais. O objetivo é conhecer como o tempo/espaço sem limites se manifesta em cada uma das existências, seja na dos anjos, dos demônios, dos espíritos ou em qualquer outra forma. Contudo, a individualidade não é fixa. Devemos passar por cada uma dessas existências. A religião pode apontar caminhos para o ser humano, mas também pode cegá-lo. A visão e a compreensão de mundo que temos mudam continuamente. Portanto, as interpretações dos ensinamentos religiosos também devem ser renovadas. As chamadas verdades não voltam a ser verdades por mais repetidas que sejam. Elas precisam ser compreendidas em cada época, de forma harmônica com cada tempo. Nosso problema fundamental é que, no fundo, todos nós queremos ser imortais e temos medo de deixar o nosso “eu” ilusório. Ele quer existir eternamente. Portanto, as pessoas não conseguem aceitar o esgotamento do “eu”, elas se refugiam em atividades que camuflam seus medos. Porém, este recurso não resolve o problema, porque ninguém pode manter a ilusão de ser eterno, estável, permanente e imortal. Quando essa ilusão é entendida como engano, as pessoas se refugiam em novas atividades. Por outro lado, em busca da nossa natureza essencial, encontramos a solução das nossas questões. Aqueles que experimentam o ilimitado  em si, poderão enfrentar seus problemas psíquicos, físicos e espirituais de outra maneira. Os problemas simplesmente perdem a importância. A visão do mundo é modificada e a ordem dos valores mudam. Acessando ou não, o desejo mais profundo do ser humano é alcançar esse estado. Toda pessoa tem a memória da sua natureza original, uma intuição de que algo o espera, e que esse algo funda sua verdadeira terra natal. É dito no Zen: "O som do cuco nos convida retornar ao lar". Por muito tempo, a pessoa busca a felicidade fora, no exterior, nas coisas materiais, no casamento, em um deus pessoal, até que ela percebe que tudo isso não é mais que o incessante chamado para voltar à sua casa. Talvez você diga que tudo isso, mais uma vez, são apenas palavras e conceitos. Você está certo, mas, sendo uma pessoa do século XX, trata-se de palavras e conceitos com as quais me sinto bem. Ademais, não quero forçar ninguém a aceitar minhas convicções. Mantenha sua fé desde que ela te sustente. Mas esteja disposto a se abrir, assim que força que te sustenta diminuir.

do livro, "Partida para um novo país: experiências de uma vida espiritual".

Willigis Jager Koun-kenrepresenta a espiritualidade interconfessional. Como ex-padre Beneditino e mestre Zen Budista, sua visão é de uma espiritualidade integradora que une em si, o grande tesouro da sabedoria oriental e ocidental. Foi ordenado “Sensei” pela ordem Sanbo-Kyodan. Em 1983, Yamada Koun Roshi (1907-1989) deu a ele permissão para ensinar o Buda-Dharma. Em 1996 Kubota Roshi (sucessor de Yamada) concedeu a ele o selo “Inka Ji'un Shomei” de Roshi. Desde 2003 é diretor espiritual da Benediktushof e co-fundador do Sonnenhof, também é fundador da Linhagem “Nuvem Vazia”. Em 23 de outubro de 2009 foi certificado como sucessor 45ª da escola Linchi (Rinzai Zen).

quarta-feira, 7 de março de 2018

WILLIGIS JAGER OSB - SOBRE A PRÁTICA DO ZEN E DA CONTEMPLAÇÃO (OUTONO DE 1993)



De vez em quando perguntam-me sobre a diferença entre a contemplação cristã e o Zen. Nesta reunião tentarei responder. Toda religião possui escrituras sagradas, rituais e mandamentos para auxiliar os praticantes encontrar a Deus, o divino, a essência, a verdadeira natureza, sunyata, etc. As escrituras e os rituais só apontam para Deus. São direcionados pela razão, mas este é um instrumento vago para experienciar Deus. Quem quer experimentar Deus, tem que ir além dos livros, rituais e de todos conceitos mentais. Assim, todas as religiões apontam caminhos que conduzem à experiência da realidade última. Deste caminho, surgiu o Zen Budismo, Vipassana, e o Budismo Tibetano. Entre os hindus surgiram as diferentes formas de Yoga. No Islamismo, surgiu o Sufismo, no Judaísmo, a Cabalá e no Cristianismo, surgiu a contemplação. Estes diferentes caminhos espirituais, apresentam o conhecimento dos textos sagrados e de seus mandamentos. E a contemplação é a maneira cristã. Isto é ensinado nos textos dos místicos, começando pelos Padres do Deserto, incluindo São Boaventura, Mestre Eckhart, São João da Cruz, Teresa de Jesus, Tersteegen, Madame Guyon e os Padres da Igreja Oriental, para citar apenas esses. Todos eles sabiam da prática de sentar-se em silêncio por  longos períodos (muitas vezes num banquinho), a repetir versos, e a permanecerem na presença de Deus. A base do Zen, praticada pela nossa escola, consiste em usar certos sutras, koans e entrevistas pessoais (dokusan) para orientação e instrução individual do discípulo. Essa forma atual foi assimilada na China antiga, entre os séculos sétimo e décimo, e foi fortemente influenciado pelo Taoísmo. O Taoísmo filosófico não é uma religião com dogmas e rituais. Assim, no caminho do Zen não há confissões, até mesmo na budista, embora o Zen tenha sido transmitido dentro do Budismo. É conduzido de forma mais coerente do que em outras tradições, indo além da mente lógica, rumo à experiência que no Zen é chamado de "iluminação". Existe uma certa estrutura básica comum a todas as tradições místicas: sentar-se silenciosamente por longos períodos, caminhar coletivamente, recitar mantras como auxílio à recordação. Os monges cristãos de Tebas e Scythe, tem por hábito sentar-se por até dez horas num banquinho ou em pacotes de papiro, também realizam tarefas físicas simples, nas quais praticam a atenção. Depois de escolher qual caminho nos identificamos, devemos focar na prática escolhida. O objetivo é comum a todas elas: nos levar à experiência da realidade original, que se chama, de acordo com a religião correspondente, ao divino, a natureza iluminada, ao absoluto, a essência. O espaço para a experiência transcendental é a base de nossos dons humanos, ainda que muitas pessoas não saibam disso.

Willigis Jäger Kyo-Un, representa a espiritualidade interconfessional. Como ex-padre Beneditino e mestre Zen Budista, sua visão é de uma espiritualidade integradora que une em si, o grande tesouro da sabedoria oriental e ocidental. Foi ordenado “Sensei” pela ordem Sanbo-Kyodan. Em 1983, Yamada Koun Roshi (1907-1989) deu a ele permissão para ensinar o Buda-Dharma. Em 1996 Kubota Roshi (sucessor de Yamada) concedeu a ele o selo “Inka Ji'un Shomei” de Roshi. Desde 2003 é diretor espiritual da Benediktushof e co-fundador do Sonnenhof, também é fundador da Linhagem “Nuvem Vazia”. Em 23 de outubro de 2009 foi certificado como sucessor 45ª da escola Linchi (Rinzai Zen).

terça-feira, 6 de março de 2018

DAIJU BITTI

Se um católico  considera que sua religião é o estudo de si mesmo então ele também é um budista. Padres que foram iniciados na disciplina budista me disseram que depois disso, entenderam melhor a bíblia. O budismo não tem intenção de disputar fiéis nem de converter. As pessoas se desarmam porque não estamos disputando nada. Apenas fortalecendo a fé do povo brasileiro. (VITÓRIA, 1997, pp. 62-70 )

pág. 152 do livro "O Zen no Brasil: Em busca da Modernidade Cosmopolita", Cristina Rocha.

Daiju Bitti, abade do Mosteiro Morro da Vargem (ES).


MONJA COEN - 108 CONTOS E PARÁBOLAS ORIENTAIS (PRESENTE DE INSULTOS)

7  PRESENTE DE INSULTOS

Certa vez existiu um grande guerreiro. Embora idoso, ainda era capaz de derrotar  qualquer desafiante. Sua reputação estendeu-se longe e amplamente através do país e  muitos estudantes reuniam-se para estudar sob sua orientação.  Um dia um infame jovem guerreiro chegou à vila. Ele estava determinado a ser o  primeiro homem a derrotar o grande mestre. Junto à sua força, ele possuía uma habilidade fantástica em perceber e explorar qualquer fraqueza em seu oponente, ofendendo-o até que este perdesse a concentração. Ele esperaria então que seu oponente fizesse o  primeiro movimento, e assim revelando sua fraqueza, atacaria com força impiedosa e  velocidade de um raio. Ninguém jamais havia resistido a ele além do primeiro  movimento. 

Contra todas as advertências de seus preocupados estudantes, o velho mestre alegremente aceitou o desafio do jovem guerreiro.  Quando os dois se posicionaram para a luta, o jovem guerreiro começou a lançar insultos ao velho mestre. Ele jogava terra e cuspia em sua face. Por horas, verbalmente ofendeu o mestre com todo o tipo de insulto e maldição conhecidos pela humanidade. Mas o velho guerreiro meramente ficou parado ali, calmamente.  O jovem guerreiro ficou exausto.  Percebeu que tinha sido derrotado, e fugiu envergonhado. Um tanto desapontados por não terem visto seu mestre lutar contra o insolente, os estudantes perguntaram: 

“Como o senhor pôde suportar tantos insultos e indignidades? Como conseguiu derrotá-lo sem ao menos se mover?” 
“Se alguém vem para lhe dar um presente e você não o aceita,” o mestre replicou, “para quem retorna este presente?” 

Comentário

Não aceitar os insultos que nos fazem é uma arte. Geralmente nos ofendemos e ao ficarmos ofendidas reagimos. Toda a prática Zen é o treino de compreender nossos condicionamentos e, ao invés de reagir, agir. Escolher nossa resposta. Para tanto precisamos estar centradas, equilibradas, capazes de conhecer a nós mesmas e não nos intimidarmos com insultos e grosserias. No cristianismo talvez seja a expressão de "dar a outra face" ou seja, jamais responder a agressão com agressão.


Monja Coen Roshi, 108 Contos e Parábolas Orientais.