domingo, 22 de abril de 2018

FR. BENTO DOMINGUES OP - JESUS E BUDA

                          
 
Encontramos cada vez mais pessoas sensíveis às duas tradições espirituais. Há budistas convertidos ao cristianismo que conservam uma ligação profunda à religião da sua infância e cristãos que se tomaram budistas e regressam ao cristianismo

1.Há mais de meio século, Romano Guardini, um pensador católico de grande prestígio, dizia que Buda é o último gênio religioso da humanidade com o qual o cristianismo teria de se explicar. Entretanto, no Ocidente, as comunidades budistas e as publicações sobre o budismo multiplicaram-se. Os encontros entre budismo e cristianismo tomaram-se frequentes. As figuras de Jesus e Buda começaram a aparecer juntas em várias obras. Já, aqui, apresentei, o sugestivo e pertinente ensaio de Odon Vallet (1).Não se trata, apenas, de uma multiplicação de diálogos intelectuais ou de imagens de Budas com Cristo no coração ou de Budas ao pé da cruz, nem de budistas a meditar os Evangelhos e de cristãos aplicados a descobrir o método e as técnicas de meditação dos monges budistas (2). Para Arnold Toynbee, o grande historiador das civilizações, o encontro destas duas heranças, tão próximas e tão longínquas, representou "o acontecimento mais significativo do século XX".
A revista Le Monde des Religions (n.º 18, 2006) acaba de chamar a atenção, de forma circunstanciada, para um fenómeno bastante mais complexo - o dos chamados "cristãos budistas". Há quem veja nesse caminho uma reprovável tendência sincretista ao serviço da expansão do budismo para o Ocidente.
Para evitar equívocos, importa não esquecer que tanto o budismo como o cristianismo vivem e exprimem-se através de experiências, escolas e tradições plurais. É preciso perguntar, em cada caso, que budismo e que bristianismo estão em diálogo. O que para uns pode parecer uma traição ou um oportunismo, para outros é uma exigência de fidelidade a dimensões a que não querem renunciar.
2. Frédéric Lenoir, no editorial do dossier sobre os "cristãos budistas", ao referir-se à personalidade do Dalai Lama e ao seu discurso sobre tolerância, não-violência e compaixão - que tanta ressonância tem no Ocidente - sublinha a ausência de proselitismo que, por outro lado, é uma nota constante das religiões monoteístas. É conhecida a fórmula do monge tibetano: "Não vos convertais, ficai na vossa religião." Mas não falta quem veja nesse desprendimento uma táctica eficaz para atrair ocidentais cansados de manipulação.
F. Lenoir conta uma história testemunhada por ele na Índia, em Dharamsala, quando foi entrevistar o Dalai Lama, que prova o contrário e talvez exprima bem as estrofes de uma oração muito citada por este autêntico Bodhisattva da Compaixão: "Tanto quanto dure o espaço / e tanto quanto os seres permaneçam, / possa também eu permanecer / e dissipar o sofrimento dos seres."
Essa história não é longa. No dia anterior à sua entrevista, encontrou, no hotel, um budista inglês, Peter e o seu filho Jack de 11 anos. Alguns meses antes, tinha morrido a esposa de Peter, depois de uma longa doença e de muito sofrimento. Peter tinha pedido ao Dalai Lama um encontro de cinco minutos, o tempo de uma bênção.
Depois da entrevista do jornalista, seguiu-se a de Peter e Jack. Não foram cinco minutos. Foram duas horas. Peter contou-me o que lhes tinha acontecido:
"Comecei por falar, banhado em lágrimas, da morte da minha esposa. O Dalai Lama abraçou-nos. Perguntou-me, depois, qual era a minha religião. Contei-lhe as minhas origens judaicas e a deportação da minha família para Auschwitz que tinha recalcado. Esta ferida profunda abriu-se e fiquei submergido pela emoção. Dalai Lama abraçou-me novamente. Senti as suas lágrimas de compaixão: ele chorava comigo e tanto como eu. Falei-lhe, depois, do meu itinerário espiritual: a minha falta de interesse pela religião judaica, a minha descoberta de Jesus através da leitura dos Evangelhos, a minha conversão ao cristianismo, que, há vinte anos, foi a grande luz da minha vida. Veio, depois, a decepção, ao não encontrar a força da mensagem de Jesus na Igreja Anglicana, o meu afastamento progressivo, a minha necessidade profunda de uma espiritualidade que me ajudasse a viver e a descoberta do budismo, que pratico, desde há vários anos, na sua versão tibetana. Quando acabei, o Dalai Lama ficou silencioso. Depois, voltou-se para o seu secretário e falou-lhe em tibetano. Este último voltou com um ícone de Jesus. Fiquei estupefacto. O Dalai Lama entregou-mo com estas palavras: "Buda é a minha via, Jesus é a tua." Era a terceira vez que me vinham as lágrimas. Reencontrei, de repente, todo o amor que tinha por Jesus no momento da minha conversão, vinte anos antes. Compreendi que tinha continuado cristão. Procurava no budismo um suporte de meditação, mas no fundo, nada mexia tanto comigo como a pessoa de Jesus. Em menos de duas horas, o Dalai Lama reconciliou-me comigo mesmo e curou-me feridas profundas. Ao partir, prometeu a Jack que o iria encontrar todas as vezes que fosse a Inglaterra."
F. Lenoir escreve que nunca mais poderá esquecer o rosto transformado deste pai e do seu filho. A compaixão do Dalai Lama não era uma palavra vã e nada tinha a invejar à dos santos cristãos.
3. Como ele já tinha mostrado em 1994, a cristãos e budistas, num seminário sobre os Evangelhos, a atitude do Dalai Lama é um sinal claro de que não pretende fazer proselitismo nem alimentar confusões.
Encontramos cada vez mais pessoas sensíveis às duas tradições espirituais. Há budistas convertidos ao cristianismo que conservam uma ligação profunda à religião da sua infância e cristãos que se tomaram budistas e regressam ao cristianismo, conservando a meditação budista e também budistas que rezam a Jesus. Referimo-nos, aqui, ao budismo tibetano apresentado pelo Dalai Lama na obra citada. Não se trata, pois, de um fenómeno de exclusão mútua. Seja como for, é preciso vencer a grande tentação de comparar o melhor de uma tradição ao pior da outra ou anular as suas profundas diferenças.
Deixo a pergunta: a suprema "iluminação", como dom do Céu, e a suprema "iluminação", como movimento ascendente da Terra, serão contraditórias? 

(1) Odon Vallet, Jesus e Buda. Destinos cruzados, Lisboa, Piaget, (2) Sua Santidade o Dalai Lama, A bondade do coração. Uma perspectiva budista sobre os ensinamentos de Jesus, Lisboa, ASA, 1997. 


Frei Bento Domingues OP, seu nome  de batismo é Basílio de Jesus Gonçalves Domingues (nascido a 13 de agosto de 1934, em Travassos, Vilar, Terras de Bouro), é um religioso da Ordem dos Pregadores (Ordem dos Dominicanos), considerado um dos maiores teólogos portugueses. Nasceu numa família de pequenos agricultores com sete filhos. Um irmão três anos mais velho, Domingos, entrou para os Dominicanos com o nome de Frei Bernardo. Seguindo as pisadas do seu irmão mais velho, entrou para a escola apostólica dos Dominicanos de Aldeia Nova, perto de Fátima, em 1953, com 19 anos de idade. Ingressou depois na Ordem dos Dominicanos, tomando o nome de Bento. Estudou Filosofia e Teologia primeiro em Fátima, depois em Salamanca, Roma e Toulouse.

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