segunda-feira, 9 de abril de 2018

TENZIN PALMO E SUA LIGAÇÃO COM A TRADIÇÃO CONTEMPLATIVA CRISTÃ


"Senti uma ligação muito forte com Assis. Até hoje é o único lugar de que sinto falta, incluindo minha caverna. Existe uma qualidade especial, inefável, palpável, apesar dos milhões de turistas que afluem todos os anos. Não é um lugar comum. É o centro para a paz mundial e ainda há várias conferências inter-crenças. E muitas pessoas relataram ter experiências espirituais intensas e transformadoras lá", disse ela.

Tenzin Palmo mudou-se para o térreo de uma casa pertencente a um amigo de Ram e começou a redescobrir suas raízes ocidentais cm deleite. Vagava pelas encantadoras ruas estreitas da cidade, muitas vezes à noite e sozinha, sentindo-se bastante segura. Visitou a famosa basílica que abriga a tumba de São Francisco, maravilhando-se com os afrescos requintados, especialmente os de Giotto. E subiu a montanha, curiosa para ver uma outra caverna, aquela habitada por São Francisco, que rezou a Deus com tanto fervor para deixá-la conhecer o sofrimento de Jesus que não só os estigmas apareceram em suas mãos e pés, como pregos de verdade também se manifestaram, Ao longo dos cinco anos que viveu em Assis, Tenzin Palmo desenvolveu uma forte devoção a São Francisco e passava horas meditando na caverna dele quando não havia turistas em redor.

"Era uma caverna muito diferente da minha porque tem uma igreja construída em cima dela. Mas era ótima! Ainda existem pombos na árvore do lado de fora, descendentes dos que São Francisco comprou de um vendedor e deixou lá para se multiplicarem. Amei as histórias dele com animais. Você sabe que ele tinha uma cigarra e eles cantavam um para o outro? Ele foi um santo muito ativo", ela disse.

Certa vez Tenzin Palmo revelou sentir que havia sido um monge cristão em uma de suas muitas vidas. "O sentimento quando entrou em claustros é muito forte. É quase um deja vu. E sempre tive afinidade com as ordens de clausura. Acho que provavelmente decidi ir para o Oriente quando a tradição cristã parou de evoluir. Faria sentido", ela comentou.

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Tenzin Palmo mergulhou em biografias e obras dos santos e filósofos cristãos: Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz, Tomás de Aquino, os padres do deserto, Thomas Merton, a Filocália, as escrituras da igreja ortodoxa e muito mais. Enquanto lia, sua apreciação pela religião que outrora havia rejeitado cresceu e, com isso, veio um novo entendimento e orgulho de sua identidade ocidental.

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Conscientemente ou não, Tenzin Palmo estava balanceando Oriente e Ocidente, ascetismo e sensualidade, solidão e sociabilidade - proporcionando a si mesma uma personalidade mais equilibrada. Nesse sentido, estava seguindo exatamente o conselho dado por um dos seus mentores cristãos recém-encontrados, Mestre Eckhart, o grande místico alemão do século XIII, que havia escrito: "Digo que a pessoa contemplativa deve evitar até mesmo o pensamento de ações e serem feitas durante o período de contemplação, mas depois deve ocupar-se pois ninguém pode ou deve envolver-se em contemplação o tempo todo porque a vida ativa deve ser uma pausa na contemplação."

Naquela época, um outro aspecto da vida de Tenzin Palmo começou a se abrir - um que se desenvolveria muito mais no futuro. Os cristãos logo souberam de sua presença em Assis e ficaram muitíssimo interessados em ver e ouvir por si mesmos a mulher que passara tanto tempo em retiro sozinha. O esforço de Tenzin Palmo ia além de tudo que as ordens deles já haviam tentado. Ela foi convidada a falar que em seminários e, em certa ocasião recebeu um convite em relevo nada menos que do Conselho do Vaticano pedindo-lhe para falar em uma conferência intercrenças em Taiwan. Também foi convidada a conduzir workshops em seminários e conventos para contar às ordens de clausura exatamente o que ela tinha feito e como tinha feito. Tenzin Palmo aceitava com alegria pois agora estava bem receptiva ao diálogo intercrenças e disposta a oferecer todo o seu conhecimento em troca de métodos cristãos de contemplação. Mas a coisa não funcionou assim de forma alguma.

"Em um mosteiro beneditino, fui informada de que a missa era às 5 da manhã, então pensei em participar. No entanto, quando cheguei à capela, havia apenas uma ou duas pessoas lá dentro: Perguntei onde estava todo mundo e me disseram que estavam na salinha reservada para meu curso de meditação. Quando cheguei lá, deparei com todos os sapatos alinhados com capricho do lado de fora e todos os reclusos sentados lá dentro, no chão, de pernas cruzadas. Tinham montado um altar com uma estátua do Buda, flores e tigelas de água e perguntaram se estava tudo bem." Está adorável, obrigada", eu disse.

"Eles estavam interessados em aprender sobre budismo. Haviam estudando, tinham conhecido o Dalai Lama e estavam ansiosos para saber mais. Eu queria incentivar a meditação cristã, mas eles não sabiam nada a respeito. Disseram que havia pouquíssimos mestres da vida interior no catolicismo e por isso os jovens estavam se afastando. Contaram que os jovens pediam formas de obter paz interior e um caminho espiritual que desse significado a suas vidas. As freiras e monges sentiam que, se conseguissem dar um jeito em si mesmos, poderiam se tornar guias para dar aos jovens o que eles precisavam."

Queriam métodos pois tinham perdido os deles. Queriam orientações: o que fazer, o que não fazer, descrições dos problemas que podem surgir na meditação e como lidar com eles. Os métodos tibetanos são excelentes porque não exigem qualquer estrutura de fé particular. Qualquer um pode fazer uso deles - inclusive psicólogos. Então falei o que fazer, e eles ficaram lá sentados, balançando as cabeças. Depois, uma freira carmelita idosa disse:"Quem dera alguém tivesse me dito como meditar anos atrás. É tão simples."


pág.216-222 do livro: "A caverna na neve: a jornada de Tenzin Palmo rumo à iluminação", escrito por Vicki Mackenzie.


Jetsunma Tenzin Palmo, nasceu em Hertfordshire em 30 de junho de 1943, é uma bhikṣuṇī, monja consagrada da escola de Kagyu do budismo tibetano. É autora, professora e fundadora do Convento Dongyu Gatsal Ling em Himachal Pradesh, na Índia. Ela é mais conhecida por ser uma das poucas yoginis ocidentais treinadas no Oriente, após ter passado 12 anos vivendo em uma caverna nos Himalaias, sendo 3 deles em estrito retiro de meditação.

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